quinta-feira, 27 de março de 2014

Primeiro Ano de Vida Náutica!


         Há um ano atrás exatamente, chegávamos por terra de Florianópolis com o então Carioca. A ideia era trazer o barquinho navegando mas alguns empecilhos apresentavam-se. Ele estava parado havia dois anos sem manutenção básica. O jeito foi retirar o mastro, colocá-lo num caminhão e encarar 200 km de rodovia com o peixe fora d’água.

         Curiosa a expressão das pessoas assistindo a cena do transporte. Um veleiro é realmente algo muito desengonçado fora do elemento para o qual foi criado, principalmente quando é dotado de uma quilha falsa fixa, parecendo uma barbatana de tubarão invertida. Ela só faz sentido quando o barco veleja pois sua função é equilibrá-lo quando todos os panos estiverem em cima. Sem essa quilha o barco, num vento mais forte, capotaria com relativa facilidade. Veleiros com quilha falsa fixa (são a maioria) têm sempre carretas de encalhe mais desengonçadas que os próprios. Como na vida não podemos ter tudo é preciso aprender a conviver com os prós e contras de cada barco.

         Marquei as 6 horas da manhã com o Irã, responsável pelo transporte, no posto de combustível da entrada de São Francisco do Sul. Saímos com o caminhão com destino à capital catarinense. A viagem e translado correram tranquilamente. Irã foi o tempo todo muito atencioso e dedicado ajudando em tudo que pôde. Seu caminhão tem uma rampa comprida para até dois carros ou um barco de até 30 pés. Prova de sua paciência foi que quando chegamos com o barco no Capri não sabíamos exatamente onde deixaríamos o Hoje! e ele esperou conosco a resolução desse impasse. Recomendamos o serviço do Irã.

         Antes de chegar ao Capri com nosso barco havia conversado com Sr. Adenir, proprietário da Marina Arco-íris sobre nossa intenção. Ele disse só haver restrições quanto ao calado quando quiséssemos recoloca-lo n’água. Quando chegamos ele nos viu e o barco e atônito fez uma expressão facial como: “E não é que vocês vieram mesmo?!” Tratou logo de nos apresentar ao Sr. Nestor, mecânico antigo do Capri, pedindo a ele para arrumar um lugarzinho para o Hoje! Nestor, um cara batuta, apontou o lugar e nos mostrou o barco do Fabrício, explicando tratar-se de caso análogo. Ficamos felizes pois, além de um barco, teríamos uma turma para compartilhar experiências.


         A partir de então nossa rotina seria ajustar alguns detalhes para o relançamento do Hoje! n’água, que aconteceria 3 meses depois. Enquanto isso a convivência com o pessoal do Capri foi muito agradável e produtiva. Conhecemos depois o Cesar e também o Marcelo, esse nos convidando para velejar nos seu Talhamar por puro coleguismo querendo nos mostrar as belezas do mundo da Vela e aquele dando valiosas contribuições e pondo a mão na massa, literalmente, para ensinar-me vários segredos e ensinamentos sobre mecânica e navegação, sendo sua ajuda, como já citei por aqui outras vezes; inestimável.


         Foi um ano de um divertido e profundo aprendizado estreitando nossos laços familiares e da nossa família com o Mar. Conhecemos pessoas singulares que de outra forma não conheceríamos. Quando assumimos a responsabilidade de adotar o Hoje! havíamos nos comprometido em conhecer e desvendar os segredos e mistérios desse elemento que habita nossos sonhos e emoções mais profundos.


         Que os mares lhe sejam gentis e os ventos constantes, nos encontramos na próxima ancoragem. São nossos votos nesse primeiro ano de vida náutica da Família Ville Floriani!


sexta-feira, 21 de março de 2014

A Escolha do Barco


Um desses mastros era o Hoje! à nossa espera

         Há um ano atrás estávamos decidindo quanto ao barco que melhor atenderia a necessidade individual e coletiva de nossa tripulação. Avaliávamos um veleirinho até 20 pés, mas, os disponíveis, não permitiriam um pernoite confortável para nós quatro. Então consideramos a faixa dos vinte e poucos pés.

         Experimentamos dois barcos modelo Velamar 24. Muito bons navegando porém a conservação deixava a desejar. Vimos outros modelos e projetos não se encaixando nenhum ao nosso perfil. Muitos veleiros são concebidos para regatas e, eventualmente, podem ser usados para passeios ou cruzeiros, são espartanos por natureza e para esse fim, geralmente tem o convés mais livre, o que, acaba inviabilizando um espaço interno maior.

         Outros barcos são projetados visando-se o passeio, mínimo de conforto e um pouco de espaço interno, o que, num projeto desse tamanho, vinte e poucos pés, é algo limitado. Era nessa linha que nos focamos; um barco para a família passear, conhecer melhor o mar; aprendizado mútuo. Nessa busca as opções foram aos poucos sendo eliminadas. Quase optamos por um Brasília 23 de um senhor muito bacana e zeloso, mas o barco ainda não era “o nosso número”.

         Dentre os poucos projetos que restaram descobrimos o Cruiser 23, barquinho que respondia de maneira satisfatória aos nossos anseios. Luciane encontrou um anúncio virtual de um exemplar em Florianópolis. O próximo passo foi conhecê-lo no Veleiros da Ilha (ICSC – Iate Clube Santa Catarina). Numa primeira velejada pela baía de Floripa a impressão foi boa e a partir daí iniciamos o processo de compra. Procurei me informar sobre o estaleiro onde foi fabricado e outros detalhes técnicos mas as informações são muito escassas. Em seu documento consta que foi fabricado no extinto estaleiro Neummar de Porto Alegre – RS.


         Na próxima postagem contaremos como foi o dia da chegada do Hoje! ao Capri e as agradáveis experiências que tivemos por conta do nosso barquinho.

         Bons ventos desde a Babitonga!

segunda-feira, 17 de março de 2014

Muita história pra contar e uma lição de vida

            Semana que passou, Cesar ao telefone comigo:

̶  Há um veleiro um pouco menor que o de vocês do outro lado do trapiche, e exibe uma bandeira da Argentina.

            Então a curiosidade começou a funcionar e quis logo conhecer essa pessoa que veio de tão longe num barco que, aparentemente, foi feito para passeios de final de semana numa baía ou represa.

            Tão logo cheguei ao Capri, na casa de Cesar, juntamos as ferramentas básicas para finalizar um pequeno reparo em nosso carburador. Cesar o desmontou e limpou inteiro, coisa que ainda não havíamos feito. Aproveitamos para instalá-lo novamente e quem sabe conhecer essa pessoa que nos causava enorme curiosidade. Tão logo acessamos o flutuante, onde um barquinho com o costado laranja fazia companhia ao Hoje!, sai lá de dentro um simpático senhor, de cabelos e barba branca muito bem feitos, nos cumprimentando. Muito educado, nos perguntou se havia problema em deixar seu barco fundeado ali, receando utilizar o flutuante sem autorização. O flutuante foi feito por outro senhor bonachão, o Pacheco, que nos orientou a atracar ali quando viu que tivemos problemas com nossas poitas. Nos apresentamos mutuamente e logo saciamos nossa curiosidade, como crianças e seus brinquedos.


            Sr. Vitor nos relatou que veio da Argentina, Buenos Aires, e subiu até Angra dos Reis com seu valente barquinho e agora estava retornando. Na vinda, fez uma perna de 13 dias de La Paloma (UY) até Florianópolis, pegando todo tipo de vento, mas nenhuma tempestade, reclamando somente de algumas calmarias, fato esse que se resolve fechando o barco e dormindo, segundo ele. Essa é a terceira vez que sobe o litoral brasileiro embarcado num veleiro, mas a primeira solo em seu barco. Nas outras experiências veio em barcos maiores tripulados, numa delas conheceu Fernando de Noronha.


            O barco é um Van de Stadt 21 pés, modelo Trotter Pandora e foi batizado de Marangatu por ser o nome do primeiro veleiro que tripulou quando adolescente nas águas do Rio da Prata em San Isidro. Marangatu significa boa pessoa em guarani, coisa que ficou sabendo muito tempo depois. Tudo começou em sua adolescência, quando dentre várias atividades náuticas oferecidas pelo colégio, escolheu a vela. Disputava regatas interclasses e foi aí que a paixão cresceu e se desenvolveu. Mais tarde participou de várias regatas cruzando o Rio da Prata com destino ao Uruguai. Naquela época participava-se para sentir o mar, o rio, o vento, etc. O mesmo barco para essas regatas era usado para o passeio com a família. Hoje compra-se um barco feito especificamente para regatas e elas são competitivas, perdeu-se o prazer do cruzeiro despretensioso, o objetivo é vencer. Antes, o importante era participar, não chegar antes; desfrutar dos elementos, não concentrar-se excessivamente na vitória.


Cesar e Victor trocando figurinhas, dois experientes velejadores costeiros.

            Tão logo a janela de tempo foi aberta, Victor, o intrépido velejador, estava pronto para partir em direção à Armação de Itapocorói, Penha (SC). Tivemos um último bate papo descontraído na casa de Cesar.





O último aceno do intrépido velejador

            Gozando de plena saúde, no auge de seus 73 anos, Victor é uma prova viva de que os sonhos são feitos para serem vividos. Partiu em direção à ilha da Paz no final da tarde aproveitando a maré vazante, desta vez, só utilizou o pequeno motorzinho de popa de míseros 5 cavalos. Pernoitaria lá a fim de seguir viagem bem cedo no outro dia.


Registro da chegada atrás da Ilha da Paz e a dimensão de sua casquinha de noz diante do oceano e o Farol.

            É com essa história de vida que finalizo essa postagem demonstrando que os bons exemplos nos movem, basta encontrá-los!

            Bons ventos e abraços desde a Babitonga!

sexta-feira, 14 de março de 2014

Últimos Acertos!

Depois de não tão breve período, nosso barquinho volta a receber o cuidado e atenção necessários. Como já comentado antes, era a vez de guarnecermos o Hoje! com uma vela nova. Ele possuía o que os ingleses denominam working sail, ou seja, duas velas básicas, o jogo de serviço; mestra e bujarrona.

Com o passar do tempo notou-se, através da prática, que os veleiros necessitavam de uma vela mais longa quando o vento não era tão forte, e, assim, foi criada a Genoa. A genoa é mais longa que a Buja, ela ultrapassa a linha do mastro chegando até a metade da retranca, por isso ela também é sempre mencionada utilizando-se porcentagem. A genoa pode ser 125%, 150%. 100% equivale a buja, ou seja, o tamanho exato do triângulo hipotético que temos entre o mastro, convés e estai de proa. Quando esse triângulo é expandido temos então uma genoa que pode variar de tamanho de acordo com o que queremos extrair do barco. Uma genoa 150% equivale então a uma buja e meia no comprimento da esteira. Quanto maior a genoa, em tese, menor o vento. Maior área vélica é uma grandeza proporcionalmente inversa à quantidade de vento. E quando temos ventos muito suaves podemos utilizar as velas maiores; balão, spinnaker, gennaker, etc.

            Um enxoval numeroso de velas só se justifica em caso de regatas, pois os cruzeiristas satisfazem-se com o jogo de serviço mais uma vela opcional, geralmente uma genoa. Como nossa família almeja, em primeira instância, o cruzeiro despretensioso, estamos assim, completando nosso jogo de velas que, teoricamente, pode nos levar a qualquer parte do globo.

            Antes do Hoje! pertencer à nossa família, conheci o Roberto, neto e filho de velejadores. Seu avô trabalhava no histórico estaleiro Arataca de Florianópolis. Conversamos bastante via e-mail e telefone. Por causa dele iniciei a construção de um Tiki 26, catamarã rústico e rápido de cruzeiro. Rogério Martin, inspirado pelo conhecimento de Roberto em catamarãs, resolveu construir um belo Tiki 30. Logo no início da construção julguei impossível a continuação por falta de um local adequado e também fazendo e refazendo cálculos descobri ser mais barato um barco usado. Essa foi minha conclusão, porém, um catamarã sempre custará mais que um monocasco de igual comprimento e estado de conservação.

            Quando nos decidimos pelo Hoje! ele encontrava-se no ICSC (Veleiros da Ilha). A ideia inicial era trazê-lo pelo mar, mas vários fatores orientavam e, finalmente, obrigaram a vinda por terra, coisa que fiz, um pouco contrariado, desejoso que estava de uma primeira experiência numa navegada costeira, e ela seria feita pelo Roberto mais um amigo, eu seria um tripulante.

            Como sabia que Roberto constrói e faz reparos em barcos e velas, já sabia quem faria a tão esperada genoa do Hoje! Semana passada tive o prazer de conhece-lo pessoalmente em seu Estaleiro Artesanal, sua oficina, que fica na parte norte da ilha de Florianópolis; Ponta das Canas. Mostrou-me então uma vela que tinha guardada há tempo, feita em dracon importado. Já era quase certa a negociação, só restando o corte e ajuste, visto que fora confeccionada para um barco maior; 26/27 pés (nosso barco mede 23 pés).


A vela inteira, sem modificações. Cesar simula como a vela deverá ficar.

            Agora é esperar a conclusão do trabalho para testarmos o comportamento da vela no barco. Aproveitamos o ensejo para fazer uma revisão e reparos nas velas antigas que estão boas.

            É com esperança numa performance especial que nos despedimos. Gratos a experiência e presença sempre imprescindível de Cesar.

            Bons ventos desde a Babitonga!



► Conheça o trabalho do Roberto acessando a página do Estaleiro Artesanal (clique aqui);


► Conheça o barco do Rogério Martin acessando a página do Tiki Rio (clique aqui).