domingo, 27 de julho de 2014

E o Hoje! segue seu rumo...


         Para quem ainda não sabe, o Hoje! agora está sob os cuidados do Júlio, amigo que fizemos tão logo iniciamos o processo de venda. Enquanto estive em São Luiz para ajudar a trazer o catamarã do Fernando, outro amigo que fizemos por causa do mar e barcos, o Júlio tinha vindo até a Babitonga para o primeiro contato com o Hoje! Às pressas passou o barco para seu nome e tão pouco teve tempo de embarcar para conhecê-lo. Veio uma segunda vez, pois reside em São Paulo e trouxe um amigo que nunca havia embarcado, e por respeito a ele, não saiu com o barco, pois aquele não sentiu-se bem. Essa semana, pela terceira vez por aqui, pôde fazer finalmente seu debut no Hoje! Pediu-me auxílio para que aprendesse sobre os baixios na saída de Capri. Nada de anormal, apenas precaução e uma desculpa para não ir sozinho, coisa que velejador só faz em último caso, como vários colegas relatam.

         Como o barco estava parado o único receio que tivemos era a respeito do motor que podia não corresponder, ou seja, o carburador pode sujar por falta de uso e o funcionamento não ser adequado comprometendo a segurança caso ele seja necessário. Essa hipótese confirmou-se no início e ele apresentou um comportamento dúbio. Funcionou durante um tempo e depois apagou. Fizemos uma sangria no carburador, procedimento ensinado por Dom Cesar. Constatamos a posteriori que era mesmo falta de uso pois a sangria resolveu. Isso foi indicativo que teríamos uma bela navegada de estreia.

         Muita conversa no cockpit e o Júlio mostrando-me orgulhoso todos os pequenos detalhes que acrescentou ao Hoje! incrementando o barquinho. Com tanta gente zelosa em volta dele, está ficando vaidoso.

         Saímos pelo canal paralelo ao que o Hoje! encontrava-se, agora ele fica no mesmo canal do Capri Iate Clube, canal esse ainda mais abrigado que o Iriri. A felicidade e satisfação esteve presente o tempo todo a bordo e era nítida na fisionomia radiante do Júlio. Apenas orientei no caminho a tomar, intervindo muitíssimo pouco. Quando dobramos a Ponta das Galinhas e tomamos o canal principal da baía Babitonga ele domou o bichinho sozinho, pois tem experiência de anos pela Represa da Guarapiranga. Tomou consciência me confidenciando que aqui terá um novo elemento presente na navegada: a maré, uma novidade pra ele. Na prática, é mais um tempero no caldo para tornar mais saborosa a experiência.

         Uma vez no canal principal Júlio conduziu num través, como é de seu gosto, e pôde sentir pela primeira vez como é conduzir seu próprio barco no mar pela primeira vez. Com toda certeza uma experiência memorável e sem sombra de dúvida exaltada pelo clima perfeito; era a cereja do bolo que faltava. As fotos não me fazem mentir e dizem muito mais que o mais bem redigido dos textos, acompanhe.

         Na volta podemos presenciar o retorno do grande colega Fabrício com seu belíssimo clássico de madeira. Em terra ele gentilmente apresentou-se para conhecer Júlio, curioso dessa nova história feliz que iniciou-se por aqui. Aos poucos vamos nos aproximando e fazendo mais íntima essa confraria de pessoas que compartilham desse amor pelas coisas do mar e tem na amizade um laço forte de solidariedade.


         Grande abraço da nossa família à sua e que os elementos o levem ao porto almejado.






Entrada do Canal Iriri e em primeiro plano a Ponta das Galinhas



Vizinho ao Hoje! dorme silencioso um trimarã batizado de "Atobá" à espera de um novo dono



Travessia


         Sejam muito bem-vindos novamente a esse espaço virtual que é feito de forma caseira e artesanal e tem o amor ao mar como motor principal. Desde a última experiência marítima não atualizamos o blog e com os últimos acontecimentos isso faz-se mais que oportuno. Nesses últimos dois meses muita água passou debaixo do casco e quem quiser aprender um pouquinho com as experiências que tivemos pode ler as postagens mais antigas remetendo-se ao passado escolhendo pelos meses na barra lateral direita.

Tem sido através desse singelo meio de comunicação que, hora somos influenciados através de Blogs como dos antes apenas colegas virtuais e agora amigos, Juca Andrade da Escola de Vela Cusco Baldoso, Ricardo Stark do minucioso veleiro Gaipava, Walnei Antunes do divertido Vivre, etc. e hora influenciamos, num ciclo sinergético virtuoso as pessoas que estão vibrando na mesma frequência, almejando uma vida mais leve, ideal, sustentável e mais todas essas coisas que não saem da boca do povo mas que na prática é ainda, apenas utopia para a grande maioria. Sim! Um barco a vela nos ensina de forma estritamente pragmática muitas coisas que são apenas teoria perfumada pra vender produto politicamente incorreto.

O Mar, presente em 71% da superfície terrestre, elemento que habita nosso inconsciente e consciente de alguns poucos, fascina o homem desde, muito provavelmente, que ele tem consciência da sua grandiosidade. Muito antes de sonhar em voar, o homem navegava. Essa prática arcaica está indelevelmente registrada em nosso DNA, pois nossos antepassados obrigatoriamente navegavam, pois mesmo a milhas de distância de um oceano, os índios sempre conduziram habilmente suas canoas nos rios, independente da altitude em que habitavam.

Isso pode ajudar a explicar o interesse cada vez maior das pessoas em navegar. Podemos, mesmo que involuntariamente, tornamo-nos seres urbanos e modernos, mas essa via é um saco sem fundo. Apenas iludimos e ludibriamos nossos sentidos os inebriando com matéria insípida, incapaz de alimentar adequada e profundamente nossa alma. Esse palpitar faz-se de forma sutil, e na correria das grandes cidades é sempre abafado pelo excesso de estímulo. Mas, nossa alma cobra um grande preço caso não seja atendida resultando disso seu adoecimento. E quais seriam os sintomas desse adoecimento? Horas! Essa é uma pergunta muito profunda e difícil e a resposta não é tão fácil. Como não somos profissionais no assunto arriscaremos apenas alguns esboços. Como seres humanos carecemos de experiências reveladoras de nosso verdadeiro caráter. Não somos máquinas, nem tão pouco somos orientados por relógios, exceto o biológico que tem ritmos e funcionamento próprios. Somos 100% orgânicos, um dia voltaremos ao estado inicial de onde viemos e toda e qualquer desvio do caminho é alertado através do corpo, mensageiro do espírito. O homem teve sempre essa necessidade antropológica de conectar-se ao sagrado, divino, eterno, etc. seja lá qual for o termo criado para designar isso, é comum à toda humanidade. A maneira como se manifesta é que difere.

Nós, enquanto entes humanos, sentimos uma grande necessidade de nos diferenciar. Isso é natural e como tudo que é natural é bem-vindo, praticamente obrigatório. Precisamos afirmarmo-nos como únicos, e realmente somos. Nesse caminho inequívoco nos manifestamos cada qual à sua maneira. Precisamos refazer a conexão perdida com a natureza e é nesse sentido que um barco nos coloca em contato íntimo com a natureza nos suprindo, fornecendo e alimentando a alma em direção à necessidade primeira. Podemos ter todas as condições que a sociedade vende como imprescindíveis e ainda assim carecer da essência, tornando-se assim mendigos espirituais.

Todos carecem de minutos de silêncio a sós, pelo menos uma vez ao dia. Todos carecem de um copo d’água potável tomado com parcimônia. Todos carecem do contato com a consciência que diz: “Você é único e importante.” E muitas dessas carências são supridas através dessa conexão perdida com a natureza. Ninguém precisa de um barco para isso, mas essa foi a desculpa que encontramos, é uma resposta à essa indagação interna. É a maneira como lidamos com isso. É nossa resposta, cada qual tem a sua.

Se você identificou-se com o que relatei, provavelmente é dos nossos, mas fique tranquilo, não estou vendendo nenhuma panaceia, é apenas o que nosso saudoso poetinha Vinicius de Moraes uma vez ilustremente intuiu: A vida é a arte do encontro.


A travessia apenas começou, caçemos os panos!