quarta-feira, 26 de junho de 2013

Perrengue no Porto!

Sábado, parecia mais um dia pacato aqui em São Francisco do Sul. Como havíamos levado a Letícia ao hospital na quinta ainda estávamos cansados da bateria de consultas, exames e prognósticos, no final a médica garantiu que ela não tinha nada além de sintomas de estresse. Na sexta, como mandava a previsão, e  ela estava certa, mais um dia, a exemplo da quinta, inteirinho de chuva.
No sábado a coisa seria bem diferente, e foi. Um dia lindo, sem nuvens desde os primeiros raios solares. Ventos do quadrante oeste, o famoso terral sopravam, as vezes, até demais nas rajadas. Nosso veleirinho já estava amarrado à estaca em frente ao Museu Nacional do Mar. Recebi um telefonema do nosso amigo Saraiva avisando que a Marina, moça que trabalha no Museu e é velejadora, tinha visto nosso barco garrar de seu lugar e já estava entre outros dois atrás dele e derivava em direção ao Porto, que fica ao lado do Museu. O clima foi de apreensão total. A Letícia se ofereceu pra ajudar e ir comigo, a Luciane ficaria com o Victor em casa. Essa situação, que até então, eu só havia "experienciado" em leituras agora era um fato que eu teria de encarnar como personagem principal.
Ao chegar ao Museu vejo realmente o Hoje! entre os outros dois barcos que ficam, normalmente, atrás do nosso. Naquela dança dos barcos nágua são os ventos que mandam pra onde eles vão dançar e nessa dança notamos um balançar perigoso da popa do Hoje! quase encostar na proa de um outro barco. O inevitável estava prestes a acontecer. Assistindo esse balançar dos barcos eu e a Marina traçávamos uma estratégia de resgate do Hoje! que derivava em direção ao porto. O bote de apoio para os veleiros que ficam em frente ao Museu é o que sobrou de um optimist. Tinha trazido o remo e teria que colocar o caíque nágua com a ajuda da Letícia, o que conseguimos fazer. Agora outra coisa me preocupava, o vento era forte e por causa dele o mar estava encrespado com marolas de meio metro, o que é uma coisa atípica numa baía como a nossa. Já haviam me contado que com o barco no Museu era necessário cuidar quando o terral soprasse com força, geralmente no inverno, pois nessa situação não há abrigo, o vento vem direto e o resultado é o que estávamos vivenciando. Quando colocamos o caíque nágua o Hoje! já tinha chegado ao porto, a única coisa que evitou o choque dele com a base de concreto de um galpão foi um baixio. Bendito baixio esse que permitiu o Hoje! encalhar, na verdade nem sei se o que aconteceu foi um encalhe, muito provavelmente ele encostou no baixio e ali permaneceu devido ao seu calado de 1,40 m (acima da média para um veleiro de 23 pés). Percebi, lá do trapiche, que ele não sairia dali, só que enquanto não tirasse ele não poderia me ver sossegado, pois a maré logo começaria a baixar e aí a situação ficaria complicada, com um encalhe sem possibilidade de retirada. A Marina que estava ao lado do porto e de frente para o barco ligou de seu celular para o nosso aqui no trapiche dando a ideia de levar até lá o caíque que seria um caminho mais curto, embora contra o vento. Sem muita alternativa, não titubeei e pedi a ajuda à ela pois a Letícia estava debilitada. Depois de algum esforço conseguimos chegar numa espécie de prainha ao lado do porto e ali colocamos o caíque em cima de algumas pedras, pois a maré estava tão alta que não era possível nem enxergar a areia. Com o caíque todo desajeitado em cima das pedras não vi outra alternativa se não embarcar naquele "trocinho", coloquei todo o meu peso na proa e fui empurrando até me livrar das pedras, pronto! estava nágua com o remo em punho e agora era só chegar no veleiro. Aquelas marolas eram grandes e incomodavam, a força do vento era tamanha que eu penava para avançar. Uma remada de cada bordo e eu ia corrigindo o rumo até chegar a plataforma de popa do Hoje! Depois de muito sofrimento e uma tentativa frustrada, na segunda consegui. Amarrei o caíque como pude no suporte da plataforma de popa e aí escalei-a. Quando embarquei no Hoje! parecia o Elvis Presley no início da carreira, minhas pernas cambaleavam, senti minha boca seca dada a adrenalina, havia tempo não sentia aquilo. Uma vez embarcado me preocupava aquela imagem que eu via de dentro do barco, aquela base maciça de concreto. Parei um pouco pra respirar e raciocinar. O barco estava encalhado, logo não chegaria até aquela base de concreto. Então tirei a tampa do motor e iniciei os procedimentos de partida. Depois de várias tentativas o motor pegou. Para minha alegria engatei avante e ele saiu com relativa facilidade. Na vinda do barco do Capri até o Museu descobrimos que o motor estava com problemas no rotor e não refrigerava, ou seja, agora teria que usar o motor pra chegar com o barco até o trapiche, antes que ele aquecesse. O que eu descobriria depois é que o barco estava carregando a estaca e o motor penava por conta disso, havia ainda outro agravante, o cabo da estaca poderia enroscar na hélice, o que, por sorte não estava incluso no pacote. Quando eu estava na metade do caminho pra chegar no trapiche enxergo fumaça saindo de dentro do barco, era o motor demonstrando que dali em diante não aguentaria mais, sob risco de fundir caso eu insistisse. Nesse caso a única coisa a se fazer era desligá-lo, o que fiz prontamente. O barco estava novamente à deriva e eu teria que correr até a proa para jogar o ferro e fazer o fundeio evitando um novo encalhe, dessa vez ainda mais perto do porto. Para minha sorte ouço uma buzina, olho ao lado e a lancha dos práticos estava lá. Quando percebo que receberia ajuda o caíque desprende da popa do Hoje! e vejo o pessoal da lancha indo atrás dele. Engraçado eles atrás do caíquezinho com um remo e eu no Hoje! ali sem poder fazer nada! Resgatado o caíque, era a minha vez. O marinheiro jogou o cabo e pediu que eu amarrasse na popa. Daí em diante a coisa foi mais tranquila pois a ajuda era efetiva. A lancha rebocou o Hoje! até o trapiche e o amarramos, então pedi a Marina que embarcasse e me ajudasse com a amarração do barco numa âncora que foi deixada lá por que ninguém conseguiu tirá-la. A Marina, muito solícita, fez o nó necessário a devida amarração, coisa que eu ainda não tenho segurança pra fazer. Nesse trabalho ela se sujou inteira pois os cabos já estavam submersos há algum tempo. Finalmente o barco estava amarrado. A lancha nos resgatou e entregou sãos e salvos no trapiche. Perguntei aos marinheiros como ou com quem eu deveria agradecer e eles numa atitude típica de pessoas que estão fazendo o bem, sorriso nas orelhas e um pouco sem jeito disseram: "Não precisa agradecer ninguém, é com a gente mesmo". Agradeci de uma forma como poucas vezes havia agradecido e então eles despediram-se de nós com aquela expressão de dever cumprido. Fiquei sem saber o que dizer à Marina também, pois ela tinha sido imprescindível. Caso ela não tivesse lá no Museu os outros funcionários avisariam tarde demais. Ela estava toda suja e dizia que não tinha problema. Todos nós rimos aliviados pois tudo estava sob controle.

O destino resolveu nos testar, mas, sinto muito, não foi dessa vez. Até a próxima!

Abraço grave, ótimos ventos e velejadas!

Obs.: Nesse apuro todo ninguém parou pra tirar uma fotografia sequer.


Dias antes, quando chegamos pela primeira vez com o Hoje!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Como tudo começou...




Quando o destino nos trouxe para morar perto do mar, muitas perguntas surgiram. Mesmo sabendo que sempre gostamos, em especial de São Francisco do Sul, das ondas, dos seus mistérios, da vida deslumbrante que o mar abriga sem fazer alarde, uma pergunta sempre ecoava na nossa mente: o que estamos fazendo aqui? Não sabíamos o que fazer com tanto horizonte... Era tão cômodo antes, num apartamento lindinho, num dos melhores bairros de Curitiba, a rotina era tranquila, extremamente certa, nenhum acontecimento diferente a não ser um trânsito congestionado no mesmo caminho de sempre, um atraso, uma liquidação perdida em algum shopping...  Porém muita calmaria para quem gosta de ondas!

O que nos trouxe até aqui foi um sonho de mais de 10 anos - A Pousada: Um lugar que, além de ser o nosso lar, pudesse aconchegar pessoas, recebê-las com carinho, conhecer e  observar, aprender, crescer... Tem sido maravilhoso nesses últimos 5 anos receber as pessoas, conhecer suas histórias de vida, culturas diferentes, e poder servir a quem está aproveitando dias de descanso, lazer e convívio familiar. É uma alegria!

Há 5 anos viemos para perto do mar, tentar outros ares, mais afáveis, mais modernos e que livrassem a mente, esvoaçando para bem longe recordações meras. Ah, esses bons ventos...

E o mar olha para nós e nós, para ele... Pensamos: Temos, também, que aproveitar esse horizonte que está nos convidando para conhecê-lo; O mar pode ser um caminho. A começar pelas belezas naturais da Baia Babitonga, com suas 24 ilhas, que nos oferece paisagens deslumbrantes de mata atlântica e manguezais preservados, fauna e flora para apreciarmos sem moderação e de forma sustentável e saudável... Foi então que conhecemos o mundo da vela!  Muitas leituras, muitos contatos, muitas histórias de pessoas que tiveram o mesmo sonho... Foram mais de dois anos lendo, estudando e... Sonhando...

Sonho realizado! 

O Hoje! é um veleiro Cruiser 23.

E dividiremos aqui nossas experiências de velejadas e queremos aprender e aprender muito sempre.