domingo, 5 de janeiro de 2014

Turistas versus Veranistas

            Primeiramente quero salientar que fui, a maior parte da minha vida, um veranista. Aproveitava a praia de maneira insípida quando meu avô tinha uma casa no litoral paranaense, Guaratuba. Preconceito e ignorância não me deixavam enxergar o imenso potencial cultural e natural que o litoral guarda. Minha abordagem, assim como a da grande maioria das pessoas quando invadem as praias, era completamente superficial. 

Quem mora no litoral pode vivenciar um estilo de vida muito peculiar, saudável e tranquilo e, mesmo quem só vem a passeio, pode, se souber o caminho, mergulhar de cabeça nessa cultura, mas, para isso, é preciso se permitir.


Desenvolvi uma tabela, com ajuda da Luciane, sobre as diferenças abissais entre os dois perfis que mais encontramos no litoral de nosso país durante o verão, mais precisamente, na eminência da virada do ano. É claro que percentualmente, os veranistas são imensamente mais numerosos, mas, o ideal seria o contrário, repare por quê:

Interessam-se  pela cultura, costumes, história, gastronomia, etc. do lugar.
Não se interessam pelos aspectos peculiares da região por não enxergarem o potencial cultural e, consequentemente, não respeitam tais aspectos.
Visitam locais históricos, Museus, Igrejas e lugares que caracterizam o destino. Apreciam a arquitetura típica e observam detalhes dos lugares por onde passam.
Acreditam que o único atrativo do lugar é a praia (cheia) e que o tempo deve estar sempre “perfeito”. Só interessa o banho de mar.
Como se hospedam em Hotéis e Pousadas, não cozinham em casa, conhecendo os sabores da região e incrementando a economia local.
Como têm imóvel ou alugam um, consomem a mesma comida de onde vieram e muitas vezes a trazem de lá. A única exceção é que, eventualmente, consomem peixe fresco.
Economizam água pois entendem que assim poderão ter uma estadia de melhor qualidade. Utilizam piscinas que não requerem reposição d’água, só seu tratamento.
Como estão em “casa” trazem ou compram todo tipo de quinquilharia. Um exemplo pernicioso é a piscina infantil, que consome enorme quantidade d’água.
Em Hotéis e Pousadas as acomodações tem limite de pessoas, equalizando o uso dos recursos. Nunca há excedente de pessoas por leito.
Quem tem imóvel sabe que “parentes” que você nem sabia que tinha aparecem na hora que a coisa já está caótica e, para piorar, ninguém tem coragem de mandá-los embora, superlotando praticamente todos os imóveis.
Turistas sempre têm bastante dinheiro reservado para usufruir do destino; só exigem qualidade e prestatividade nos serviços.
Veranistas chegam com um orçamento muito reduzido e economizam em tudo que podem, acabam sobrecarregando os recursos do local causando um caos.
Como turistas, respeitam os caiçaras por entenderem que a maioria trabalha para que eles possam usufruir. Sentem prazer no sorriso e acolhimento das pessoas que estão ali para atende-los.
Não respeitam os locais, ocasionando algazarra e baderna sem ter a menor noção de horário e que existem pessoas que moram e trabalham ao seu lado, muitas vezes para servi-las no outro dia no mercadinho da esquina.
Estão sempre em busca de experiências que caracterizam o local e buscam por produtos feitos na região, agregando valor a sua vivência.
Consomem as mesmas marcas de praxe pois não estão abertos à novas experiências. Preferem a quantidade à qualidade e esperam pagar pouco, o que, na prática, é ilusório.
Interessam-se pela natureza local e investem tempo e recursos para poder ter contato com ela.
Ignoram completamente a natureza local causando grande impacto ambiental sem demonstrar remorso.
Querem vivenciar profundamente o destino.
São superficiais em sua abordagem.

Sob essa ótica fica nítida a diferença e que se abra a possiblidade de uma mudança de cultura, pois não é possível deixar de lado aspectos culturais peculiares à cada região, renegando-os a segundo plano, sendo que na maioria das vezes foram primordiais à aparição da nossa civilização, pois nosso país foi descoberto e colonizado pelo litoral.

Abraços da nossa família desde a Ilha Encantada!


Água!

É incrível nossa capacidade de adaptação, e ao contrário do que se pensa, na prática, uma mudança de postura e comportamento em relação ao uso (e abuso) de todo material industrializado para embalar (por exemplo) água é facilmente substituído por outra forma de conduta, mais consciente, sistêmica e ecológica.



Esse ano, depois de algumas conversas, eu e Luciane decidimos implantar uma medida simplíssima para minimizar o impacto ambiental causado pelo uso desenfreado, e por que não, estúpido e inconsequente, de garrafas plásticas. Oferecíamos na Pousada, assim como a quase totalidade de pousadas e hotéis, o frigobar abastecido de toda sorte de bebidas. Pensávamos na “comodidade” do hóspede. Ao final das temporadas se revelava o engano. Um monte de bebidas sobravam e a maioria delas não queríamos consumir. Resultado: desperdício! Esse ano utilizamos uma tática bem diferente e já notamos resultados bem satisfatórios, o primeiro dos quais, o sorriso na face dos hóspedes. Resolvemos adotar jarras plásticas permanentes para água filtrada. A água, agora filtrada, é entregue aos hóspedes como cortesia, assim como na casa da nossa avó. Não oferecemos mais água mineral plastificada. Até por que o lucro da venda dessas águas era irrisório e o trabalho pra controlar a entrada e saída não se justificava também. Ademais, a parte primordial é o fato de usar garrafas plásticas para consumir um bem natural tão (ainda) abundante. Outra medida foi abolir o uso de manteiga em blister, que resultava numa grande quantidade de lixo plástico completamente desnecessário. Alternativamente adotamos a manteiga em lata, prontamente aprovada pelos hóspedes. Não se justifica usar plástico como embalagem descartável, além do mais, a maioria das vezes, tudo vira lixo e de alguma maneira acaba sendo carregado por rios, e esses desembocam no mar. Quem ainda não sabe o tamanho desse problema no Pacífico deve assistir o filme Planeta Água. Outro documentário que age como um tapa em nossa consciência é o longa Oceans. Dessa forma nós “juntamos os pontos” e conseguimos enxergar a grande realidade: Estamos todos conectados, ninguém faz algo sem impactar outrem, homem, fauna ou flora.





Alguma coisa aconteceu em nosso projeto, quem sabe a revolução industrial, que nos fez tomar um caminho equivocado. Precisamos reconectarmos à natureza urgentemente, pois essa conexão foi desfeita. Basta observarmos mais atentamente nossos hábitos e costumes na maioria das vezes também evitáveis. Posso lhe afirmar que a mudança de postura e compromisso diante do respeito que devemos ter pelo que é natural só nos traz alento e tranquilidade, nos sentimos mais leves. Agir sem nos questionar é um equívoco, já dizia um dos pensadores mais cabeçudos que tivemos sobre solo terrestre, o grande mestre Sócrates: “Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida”.

Com o advento incompreensível da debandada dos citadinos para as praias nas vésperas da virada do ano, é perfeitamente compreensível a falta de água e luz, visto que os balneários não foram concebidos para a quantidade absurda de pessoas que invadem as areias das praias causando tumulto e inevitavelmente sujando todo lugar por onde passam. As vezes, acredito, os animais não sentem inveja de nossas atitudes, lá no fundo de sua consciência pura, devem sentir pena. E não pense que a população litorânea fica muito contente com esse contingente todo. É só imaginar sua casa com quatro vezes a capacidade, em poucas horas tudo deixa de ser festa e passa a virar caos.

Precisamos fazer uma auto análise coletiva afim de descobrirmos hábitos arraigados, arcaicos e, consequentemente, incabíveis em pleno século XXI. É preciso mais respeito com as pessoas que residem no litoral, os legítimos caiçaras. Há também aqueles que resolveram, na contra mão da falsa ideia de conforto que as grandes cidades oferecem, adotar esse estilo de vida simples, por vocação e paixão pelas coisas do mar. Nessa hora, em que, não se sabe por qual razão, esse contingente afoito desce pelas estradas das serras do mar causando um gargalo efêmero e desnecessário, em busca de um momento fugaz. Querem todos “estourar” uma Cidra Cereser na areia da praia. Querem todos se embebedar em busca de um micro momento. E isso parece unânime. E como nosso popular dramaturgo Nelson Rodrigues uma vez intuiu: “Toda unanimidade é tola.” O grande problema desse momento fugaz é, que para se poder vivenciá-lo, nós como seres humanos e “inviáveis”, como Millor Fernandes, com sua visão de coruja, uma vez nos enxergou, consumiremos muitos recursos naturais, a começar pelos mais básicos; água e energia elétrica [essa desconhecida dos antigos, e, portanto, eventualmente dispensável]. Inclusive, no meio dessa confusão toda, algumas poucas residências incendiaram, muito provavelmente pela fiação elétrica comprometida pela corrosão e falta de uso.

Os instrumentos midiáticos, com suas táticas manipulatórias, nos fazem crer que suas falsas demandas são coletivas, reais e naturais. As técnicas são tão precisas que acabamos por aceitar sem muito questionamento algo inicialmente inadmissível, completamente artificial e fabricado. No entanto, conversando com nossos semelhantes, muitas vezes conterrâneos, nos surpreendemos com um discurso familiar, de mesma gênese, dito com outras palavras, comprovando que nossas demandas são idênticas, muito diferentes daquelas apregoadas pela propaganda.

A questão da água é simplesmente primordial, o recurso natural mais importante que temos. Ela sempre deve estar no centro de nosso debate. O senso crítico obrigatoriamente precisa ser exercitado e não podemos postergar ou delegar essa questão a terceiros. É um patrimônio muito valioso para ser entregue nas mãos de outrem. É uma responsabilidade coletiva e ao mesmo tempo individual. Toda a vida e manutenção dela passa pelo uso, consciente ou não, da água. Tudo que fazemos, e façamos uma análise diária, está intimamente ligado ao uso dessa preciosidade, obviamente vital. A simples falta dela nos transforma em seres incompletos, a qualidade de vida decresce absurdamente à medida que a qualidade da água potável decresce.

O tema é muito extenso e, quiçá, inesgotável. O que importa é que aos poucos vamos fazendo nossa parte mudando alguns hábitos depreciativos e desrespeitosos. É necessário pensar por si só, pois nosso comportamento coletivo está resultando em mazelas sociais gravíssimas, e tudo isso é evitável, basta usarmos nossa enorme capacidade cognitiva, proporcionalmente exagerada em relação aos outros seres vivos.


É com essa análise que convido você a começar esse novo ano de 2014 com o pé direito, mudando pequenos aspectos do cotidiano. Estando bem com nosso meio, estamos bem conosco. São os votos da nossa família à sua. Feliz Ano Novo!


Clipe da 1ª Velejada em Família!