Velejada
inaugural do veleiro Guina na baía de São Marcos em São Luís do Maranhão
O
mar mexido e a saudade de casa, muito provavelmente, foram as causas do meu
abandono na segunda perna da travessia do Guina. Desembarquei em Recife, no
Cabanga Iate Clube. Fernando questionou-me da decisão e, muito amistosamente,
insistiu para que ficasse. Enquanto esperava meu voo de volta no aeroporto
Gilberto Freire uma dúvida corroía-me: teria feito a melhor escolha?
Nos últimos dois
dias, antes de chegar a Recife, o mar não colaborava e nenhum alimento parava
em meu estômago, por conta disso, estava me sentindo fraco e também irritado,
fora que também, nessa condição, dormir é praticamente impossível, apenas
descansamos o corpo, o sono é interrompido pelas ondas que fazem questão de nos
lembrar que não estamos no conforto de nossas casas, estamos no mar! Isso tudo
é compreensível, estava fazendo parte de um delivery,
não estávamos a passeio, o objetivo é levar o barco ao porto de destino o mais
rápido possível. A passeio, as pernas podem ser mais curtas e, portanto, bem
menos cansativas. Houve ainda outro agravante, desde que saímos de São Luís, os
ventos restantes do que se chamam alíseos, vem de cara, e não é possível
velejar, só motorar; 3 ou 4 dias motorando sem parar, contra o vento, não é
nada romântico ou poético, o barco bate bastante pois seu comportamento sendo
propulsionado só com os motores (são dois devido ao fato de ser um catamarã) é
bem diferente da suavidade que as velas propiciam quando içadas em mar
relativamente calmo, intensidade e direção de vento apropriados.
Tudo isso não pode
ser usado como desculpa, fraquejei. Podia ter continuado, mas também minha
falta de experiência pesou. Hoje, lendo sobre uma entrevista do Jornal Almanáutica entendi uma coisa que só quem viveu uma experiência como essa pode
entender de forma profunda: fazer travessias em barcos à vela exige resistência
de seus tripulantes. Agora compreendo isso. Essa resistência, muitas vezes, não
é física, é mental! Devemos cuidar de não entediarmo-nos, pois um veleiro não
ultrapassa os 10 nós, o que, equivale, em terra a 18 quilómetros por hora,
aproximadamente. Os dias e noites passam como a vida passa quando estamos em
contato íntimo com a natureza; é um outro ritmo, mais lento. Esse tempo que
passamos no mar nunca é enfadonho, pois sempre há novidades e nunca um dia é
igual ao outro, ainda mais que a condição climática muda o tempo todo e sempre
estamos passando por um lugar diferente, especialmente em nosso caso, de uma navegada
costeira, em que se pode muitas vezes, apreciar a costa.
Quero deixar
registrado nosso profundo agradecimento ao Fernando Previdi, sua esposa Jamile,
o Capitão Glauco Vaz, o grande marinheiro Luiz Henrique (Saci) e ao colega
Norberto (Trovão). Se, por um lado, minha inexperiência e resistência não
colaboraram, por outro, a convivência a bordo, a assertividade, camaradagem,
amizade e respeito mútuo transformaram uma coisa muitas vezes penosa, em algo
leve e divertido. O clima era dos melhores, cordialidade pura, uma equipe muito
coesa. Incrível como somos capazes de trabalharmos de forma harmoniosa quando
estamos no mar, não é preciso muito esforço no sentido da liderança, todos
entendem seu papel e cada qual esforça-se em desempenhá-lo. É por isso também,
que acabamos entendendo um pouco mais, dessa coisa misteriosa que é a comunidade
náutica. Pessoas que quando interligadas pelo mar, criam laços profundos, pois
a consciência mútua de que somos pequeninos e frágeis diante da força
incomensurável do mar derruba qualquer resquício de vaidade e ego. A
camaradagem passa a dominar a pauta principal. O senso de segurança mútuo fala
mais alto que tudo; um cuida do outro. Passei a considerar meus colegas
tripulantes como a entes da família, mesmo só tendo os conhecido alguns dias
antes. Uma experiência tremendamente transformadora que recomendo a qualquer um
aspirante de crescimento pessoal e espiritual.
Depois dessa elucubração,
postarei, aos poucos, os dias instigantes que vivi desde São Luís até Recife a
bordo do Guina e sua especial tripulação.
Agradeço àquelas
pessoas que nos acompanharam, e ainda estão acompanhando, pois a viagem ainda
não terminou, e deixo o pensamento do Hélio Viana: “Depois que a cobra d’água
lhe morde, meu amigo, não tem mais volta!”
Grande abraço da
nossa família à sua, bons ventos e mares desde nosso recanto ecológico chamado
baía Babitonga!
Parabéns guerreiro, o que valeu foi a experiência.
ResponderExcluirAbç
Nilson
Grande Nilson, obrigado pela força! Como disse para o Fernando, dono desse belo catamarã, de bordo em bordo a gente chega lá!
ExcluirAbraços!
Rico, a intenção é sempre se divertir e curtir o mar, se em certo ponto da travessia isso deixou de ser verdade não havia outra coisa a fazer, acho sinceramente que você fez a escolha certa!
ResponderExcluirNão existe aquele velejador que nunca voltou para o porto antes do esperado!
Grande Walnei! Obrigado pelas palavras de incentivo, é preciso reconhecer quando devemos "abafar os panos". Que beleza que voltou à ativa com as crianças no Vivre, o barco está cada vez mais caprichado e estilizado e as postagens estão supimpa!
ExcluirGrande abraço da nossa família à sua!
Amigo Rico (apesar dos poucos dias de convivência à bordo, considero você, bem como o Glauco e o Luis Henrique, meus mais novos amigos), parabéns pelas bem escritas linhas.
ResponderExcluirPenso que você conseguiu sintetizar muito bem o que ocorreu.
Quanto ao enjôo, creio que é uma das piores (se não a pior) sensações que um ser humano pode ter - ao ponto de, no limite, preferir morrer do que continuar enjoado.
Faz parte de ir ao mar; não há quem não enjoe, o que varia é o grau de resistência - alguns enjoam apenas entrando num carro, outros só enjoam numa tempestade mais forte, mas não há quem não enjoe nunca, sob condição nenhuma.
Porém, uma coisa é certa, com o costume, a prática reiterada, a sensibilidade vai diminuindo, você vai acostumando ao movimento do barco e do mar- então NÃO DESISTA, INSISTA!!!
Abraços.
Grande Norberto, foram dias realmente especiais, também lhe considero um amigo.
ExcluirBelíssimas palavras, obrigado pelo elogio.
Sentimos sua ausência quando zarpamos de Fortaleza, faltava um tripulante que não podia ser substituído. Sentimos falta de seu entusiamo e os "causos" que só os bons gaúchos gostam de contar. Estava realmente muito bom e como já comentei com nossos amigos Fernando e Jamille, pudemos participar de uma ocasião muito especial da vida deles. Sou profundamente grato por esses momentos e toda experiência e aprendizado. A vida é curta mas o mar acolhe a todos que o respeitam e admiram e ainda vamos nos confraternizar em alguma ancoragem.
Grande abraço da nossa família à sua desde a Babitonga!
Rico! O mais importante disso tudo é que vc deixou de ser mero espectador e passou a ser o ator principal da sua vida, como lhe é de coastume. Travessias - em especial travessias de transporte - são bem complicadas do ponto de vista psicológico. Muito tempo em um mesmo rumo, barulho de motor, mar batendo, receio de algo importante falhar ou quebrar e a saudade de casa, que sempre aperta. Vc completou com êxito um dos piores trechos do litoral brasileiro, com vento "na cara". Foi um feito e tanto para um "ex-novato" (percebeu o "ex" ai ao lado?). Tenho certeza de que em pouco tempo ouviremos uma nova hisória sua, pois vc, meu amigo, É UM HOMEM DO MAR.Bons ventos, desde qualquer lugar!
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado pelas palavras de incentivo, força e carinho, ficamos todos tocados aqui em casa.
ExcluirObrigado pelo máximo elogio a respeito de ser um homem do mar, fico profundamente agradecido, não é pra menos, você é uma pessoa experiente e, sempre digo por aqui sem me cansar: com seu blog muitas coisas foram e são desmistificadas a respeito da náutica e veleiros facilitando o acesso a esse meio que não tem segredo nenhum.
Observo através aqui da rede, e você deve perceber também, muitas tentativas de divulgação e popularização da Vela mas, não conheço nenhuma maneira mais efetiva, simples, direta e barata que a manutenção de um blog sobre o próprio barco ou suas experiências náuticas. Dá trabalho, quem tem um sabe, sobretudo quando queremos apresentar um material de qualidade, mas o resultado compensa, reunimos e nos aproximamos de algumas pessoas com interesse genuíno e, acredito, assim fazemos nossa parte quanto a propagação dessa onda do bem.
Esses nossos barcos acabam, no fundo, sendo uma desculpa pra encontrarmos pessoas que vibram na mesma frequência que nós, que estão dispostas a mudar o mundo começando por elas mesmas, a fazer pequenas coisas sabendo que são por essas pequenas coisas é que chegaremos a uma grande transformação, que começa por dentro.
Abraços da nossa família à sua desde QUALQUER LUGAR!
Rico, tenha certeza que o mar não une apenas os continentes, mas também as pessoas..._|)..._|)..._|)...
ResponderExcluirTais experiências, por mais duras que sejam, jamais serão esquecidas e se daqui há um ano, você rir delas, é porque valeu a pena!! Vou te contar um segredo: em 2009 fiz a Regata Santos\Rio e foi um sofrimento só...com tudo que tinha direito. O balde foi meu companheiro inseparável...kkkkk bem como de toda tripulação, diga-se. E pior: faria tudo de novo!!
Que venham novos ventos e novas aventuras!!
abraço a todos por aí!!