segunda-feira, 7 de abril de 2014

Marçal Ceccon - Entrevista (parte II)

Essa é a segunda parte da entrevista com Marçal Ceccon, quem ainda não leu a primeira, por favor, clique aqui.


Vocês têm acumuladas 80.000 milhas náuticas, fariam tudo novamente?

Com certeza faríamos tudo novamente, se tivéssemos novamente 43 anos de idade. Não há dúvida que é uma vida magnífica, mas há que se estar muito bem em todos os aspectos, saúde, finanças, filhos na idade certa, etc.  Fizemos uma viagem pelo Atlântico (vide livro Um Giro Pelo Atlântico) com quase 60 anos, sem as crianças, e foi muito diferente em tudo. É outro momento da vida, não se compara com a primeira viagem, embora tenha sido muito boa também!

Do que trata, especificamente, a palestra que vocês ministram “A Volta ao Mundo em Músicas”?

Isso foi uma tentativa de falar dos lugares sem mostrar imagens e sim músicas típicas. Foi meio esquisito, não sei se foi interessante o suficiente. Fizemos só uma vez!

Você saberia explicar o interesse insípido dos brasileiros pela Vela?

Estamos nesse meio desde 1976. Houve, na minha opinião, alguns momentos notáveis nessa história. No passado o “Iatismo” era efetivamente o esporte dos ricos e era representado pelos barcos a motor e veleiros luxuosos demais para serem populares.
Com a chegada dos estaleiros fabricando barcos de fibra, veleiros menores e mais baratos se tornaram viáveis. E na década de 80 o mercado de veleiros prosperou, apareceram grandes estaleiros e as grandes  flotilhas, mais gente se incluiu no “iatismo” e mesmo a vela de cruzeiro, sem compromissos esportivos floresceu e entusiasmou muita gente.  Mas mesmo assim, as habilidades e conhecimentos requeridos para se manobrar um veleiro, bem mais complicadas do que num barco a motor, continuaram a ser um fator desencorajante para a grande maioria. E novamente os barcos a motor, agora também mais acessíveis, ganharam a preferência do brasileiro mais comodista.
Paralelamente, o barco foi se tornando um item de representação (exibicionismo), tanto como um carro, o que novamente canaliza a atenção para os barcos a motor. Um veleiro para impressionar precisa ser um mega iate, enquanto uma lanchinha de 33 pés com 900 cavalos de potência e pintura metálica impressiona tanto quanto!
Essa situação se manteve por muito tempo  e me parece que estamos chegando a um  momento, em que os veleiros estão ficando sofisticados,  simples de manobrar, e bonitos graças a inclusão de tecnologias, equipamentos e recursos que poderiam mudar um pouco o interesse do brasileiro médio.
Infelizmente esses barcos “vistosos” e práticos  acabam sendo caros, e novamente isso exclui muita gente do meio. Na verdade o efeito dessa nova geração de veleiros é mais exclusiva que qualquer outra coisa, e a vela nesses novos moldes  voltou a ser coisa de rico! Ninguém mais se contenta em comprar um Brasília 32 para começar, todos querem começar por um Delta 36 zero km... E acabam ficando sem barco até conseguirem comprar um  barco zero dos seus sonhos. Enquanto grande parte dos brasileiros potencialmente interessados em navegar tratar da escolha de um barco com os critérios da compra de um automóvel, veleiros não terão a preferência popular.
Numa situação hipotética, você teria poder pra mudar a situação do Turismo Náutico no Brasil. Quais seriam sua ações, por onde começaria?
Nos anos 60 a minha geração queria mudar o mundo, mas parece que não deu muito certo! Agora tenho essa segunda chance, um desafio sem dúvida. Pena que sou  conservador e radical demais para achar que teria ideias “salvadoras” nesse campo. Arriscaria alguns comentários.

Na minha opinião há  fatores culturais, legais e comerciais difíceis de serem influenciados atualmente. Começando pela maneira como o a Marinha do Brasil vê o “amador” no cenário nacional. Em muitos países o navegador amador é visto e respeitado como uma força da “reserva”, pessoal habilitado e com conhecimento do mar, de embarcações, situações de risco etc., que pode em pouquíssimo tempo ser treinado e mobilizado para agir em situações de calamidades, emergências, fiscalização ou ate conflitos. Infelizmente a atitude que se sente aqui é um claro preconceito contra “civis” querendo brincar de marinheiro. O iatista se sente um intruso no meio marítimo. A navegação amadora existe, e vai existir sempre, precisa ser apoiada pelas instituições.

Do ponto de vista econômico, atualmente, com exceção do estado da Bahia, não se reconhece o iatismo como fonte de renda. As estatísticas de alguns anos atrás revelavam que cada barco de cruzeiro deixa em seus portos de escala em media U$ 3.000,00 por mês! É dinheiro na mão do comércio local, ao contrário daquele gasto por turistas que chegam de avião, que pagaram as passagens e o pacote todo à empresas de seu país de origem, ou seja, o dinheiro não vem para cá! Para estimular o turismo náutico só investindo em infraestrutura, marinas e serviços com preços internacionais, regras de importação mais ágeis, alternativas legais de imigração, etc.
Nessa discussão de turismo náutico não podemos ignorar o impacto das atuais políticas ambientais, compreensíveis até certo ponto, mas bastante restritivas. Com a transformação do nosso litoral em uma APA gigantesca de oito mil quilômetros, como parece a tendência, estaremos sendo aos poucos empurrados para um turismo institucionalizado, onde só se desfrutaria do mar apoiado em empresas de turismo em barcos de passeio com monitor a bordo, e nunca em sua própria embarcação, como já é em Fernando de Noronha, um tédio! Precisamos incluir o velejador  na lista das espécies em extinção, e olhar um pouco na direção dos mil e um poços de petróleo ao longo dessa APA de oito mil quilômetros...
Não sou bom mesmo em dar ideias para mudar o mundo sem criticar os ambientalistas de gabinete ou voltar ao século dezenove!
Poderia dar dicas para os iniciantes da vela de cruzeiro? O que considera mais importante?

Acho que o principal conselho é não deixar seus sonhos engavetados para depois, pode ser que nem a gaveta seja encontrada! Faça um plano e de início à execução, nem que seja simbólico. No nosso caso minha primeira despesa, dez anos antes de embarcarmos no Rapunzel, foi comprar um sextante de verdade! Não sabíamos ainda nem que barco teríamos para viajar, mas o sextante estava comprado, estávamos progredindo no projeto!

Marçal, soube que vendeu o barco e mora com a Eneida, sua esposa, numa chácara para ficar perto dos filhos e netos. Além dessa mudança, há alguma novidade?

Nosso novo projeto em terra firme é a restauração de uma viatura militar 4X4 da guerra da Coreia para sair do mundo offshore e entrar para o mundo offroad com o pé direito. No final do ano, acho, estaremos na trilha, a restauração está bem adiantada.
É com essas informações e experiências valiosas que nos despedimos agradecendo a grande presença do Marçal e família em nosso blog contribuindo e enriquecendo incomensuravelmente esse oceano virtual carente de experiências sólidas e de pessoas com valores admiráveis como a família Ceccon.

Quem quiser saber mais, adquirir os vários livros muito bem escritos, de leitura leve e saborosa, acesse aqui.

Muito obrigado e espero que tenha contribuindo para divulgar um pouco a cultura náutica esclarecendo muitas dúvidas a respeito de cruzeiros oceânicos feitos em barcos à vela.

Grande abraço da nossa família, bons ventos desde a Babitonga!



2 comentários:

  1. Mais uma vez vc dando um show de informação, bela entrevista Rico. Se não me engano o Marcal tem parentes aqui na região, inclusive deve conhecer nossa Babitonga. Parabéns.

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    1. Obrigado pela presença virtual, comentário e elogio colega Simão! Não sabia disso, que beleza! E o veleiro, saindo bastante? Abraço!

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