O barco estava lá, na
poita, pronto. Minha experiência ainda pífia, mas, a vontade, grande. Numa
conversa entre nossa família e o Fabrício [Delphin 28 denominado Meraki], nosso
vizinho de poita, tivemos a ideia de velejarmos os dois, em flotilha, cada um
em seu barco.
Dias
antes quando o Fabrício chegava de sua velejada solo.
Infelizmente o
Fabrício, ocupado com sua mudança, não pode velejar nessa semana e não havia
previsão para tal pois viajaria na outra. E aquela ideia ali, fervilhando. Se
não agora, quando? Para tornar a primeira velejada solo uma realidade tive que
ser honesto comigo mesmo. O plano era velejar pelo canal do Iriri até a entrada
do Iate Clube do Capri e voltar até a poita. Uma meta realista, pequena, só pra
poder sentir como é velejar por minha conta e risco, podendo cometer algum erro
[como veremos adiante] sem nenhum prejuízo de qualquer natureza. Havia um
risco, porém calculado.
Luciane
e Victor vieram comigo para prestar auxílio por terra, caso necessário.
Victor,
sempre solícito, ajudou a colocar a bateira nágua
Bateira nágua, como de praxe, chego
remando até o Hoje! Lá, inicio um teste no motor que tem partida manual.
Terceira tentativa e ele está funcionando. A maré vazava, ou seja, me levaria
na direção pretendida, logo não precisaria “motorar” para sair, era só seguir.
Seguindo os conselhos do Sr. Cesar, um dos velejadores mais experientes do
Capri, usaria somente a buja. Içei-a e a deixei panejando ao vento, para que o
barco ainda amarrado à poita, não fosse impulsionado. Nessa hora um dilema
tomou conta de minha cabeça, ir ou não ir? Todo tipo de desculpa pairando, mas
minha razão sempre contra-argumentava. Esse dilema estava quase se tornando uma
novela e o final podia ser um recuo. Mais seguro assim, não? A cabeça
fervilhando e eu não prestava mais atenção naquele diálogo, sim, pareciam duas
vozes; eu estava dividido. Nessa hora, de uma forma um pouco provocativa e
também quase hilária, começa a tocar na minha caixola “Bohemiam Rhapsody” do Queen. É isso mesmo, não me pergunte por
quê. Enquanto não soltasse as amarras não sossegaria. Quando então o fiz, o
refrão dizia: “Oh
mama mia, mama mia, Mama mia, let me go...” Soltei então,
finalmente, as amarras dando risada, aquilo não poderia ser feito de outra
forma, afinal de contas, não era uma parte do sonho se tornando realidade?
Pronto, estava velejando. A maré estava vazando e
naturalmente me empurrando para fora do canal, além disso a vela buja também
auxiliava potencializando essa força. A esteira do barco, que é o rastro que
ele deixa nágua, era prova disso.
Saída pelo canal,
maré vazante e buja aberta
Rapidamente me desloquei até a entrada do Iate
Clube do Capri, lugar onde faria um jaibe para o retorno. Jaibe realizado com
facilidade pois o vento era ameno, agora era voltar contra a corrente e amarrar
o barco à poita. No meio daquela empolgação toda, a maré baixando
repentinamente, lua cheia, maior amplitude de maré do ano, afrouxo na vigília
das margens do canal e de repente, o encalhe! Ainda tentei escapar mas a
natureza não perdoou. Quem sabe, se tivesse passado por ali trinta minutos
antes nada ocorreria. Sr. Cesar também já tinha me contado de experiências com
encalhes ali por perto e disse não haver problema algum, paciência, esperar a
maré subir e ir embora! O problema é que havia encalhado na maré seca, 0.0 de
acordo com a tábua das marés, pra que eu saísse dali com folga teria que
esperar até o outro dia, 1.7 metros acima. Como não poderia atravessar o canal
nadando, pois agora é inverno, pernoitaria no barco.
Encalhei
as 16 horas da terça, a maré cheia só aconteceria no outro dia naquele mesmo
horário. Clima ameno, vestia bermuda, camiseta e tinha levado um moletom na
mala, que fez toda a diferença no pernoite involuntário [como o colega Juca Andrade, uma vez citou em seu blog]. Estava descalço e a noite fez frio,
algumas toalhas limpas e secas serviriam de cobertor. Sem comida, tinha uma
garrafa de água mineral, o que foi suficiente. A noite começava a cair, então
entrou pelo canal um pesqueiro de nome Vô Luiz. A Luciane, estava em terra e
pediu auxílio para o Pepê, rapazinho que trabalha com Sr. Nestor. Ele conversou
com o pessoal do pesqueiro que eram seus amigos. Então vejo o pesqueiro
retornando e agora vindo em minha direção. Pessoal do Vô Luiz, um barco grande,
estavam com um problema na caixa de câmbio e ficaram pela minha popa, à deriva,
tentando engatar já com o cabo amarrado ao Hoje! Preocupados com o engate para
seguirem avante se deixam levar pela maré, e, sem notar, acabam também indo
para cima do baixio. Quando se deram conta era tarde, agora éramos dois. Eu não
sabia onde enfiar a cara. Encalharam a uns 100 metros de mim, evitei conversar
com eles com medo de ouvir um xingão. As quatro horas da manhã, a maré subiu um
pouco, o necessário para o barco deles, sem quilha, flutuar novamente. Ligaram
o motor e novamente batalhavam para poder engatar avante sem muito sucesso.
Quando conseguiram, me explicaram que infelizmente não poderiam me ajudar, por
motivo nítido. Entendi e agradeci. Ficaram de pedir ao pessoal do Clube que me
auxiliassem.
O jeito era esperar.
Minha espera não foi das piores. No meio da noite abria a gaiúta da cama de
proa pra verificar se tudo corria bem e era agraciado com aquele céu limpo
repleto de estrelas e uma lua cheia maravilhosa. Como bem disse a Letícia [nossa
filha] para a Luciane:Você preocupada com
o marujo e ele assistindo o luar de camarote! O fato do barco estar
encalhado o deixava adernado e isso, causava um certo desconforto, mas tudo
isso foi compensado pela experiência que tinha tido e a noite de luar que
estava presenciando.
De
manhã, bem cedo, acordo com um barulho. Assustado, pulo do beliche de boreste e
noto que eram, garrafa, copo e detergente líquido que haviam caído por conta da
inclinação ainda maior do barco devido a maré seca.
A
Luciane registrou o momento da maré seca
Voltei
a dormir, um pouco mais tarde, ouço o ronco de um motor de popa que aumentava.
Encostaram no barco e me chamaram, era o pessoal do clube me perguntando se
estava tudo bem e se eu queria retornar à terra. Aproveitei a carona,
agradecemos, eu e a Luciane. O barco estava lá, havia jogado âncora [observe a
foto], então decidi ir até em casa, tomar banho, comer algo e esperar até a
maré encher. A tarde, a maré estava tão alta que o barco flutuava por cima do
baixio. Pepê me auxiliou com a bateira do Fabrício, que é motorizada e levamos
de volta o barquinho à poita. Barco amarrado à poita, agora respirava mais sossegado.
Mais uma experiência no currículo náutico e bora
aprender mais!
Agradeço as pessoas
envolvidas que tornam nossas aventuras possíveis e seguras, a Luciane que
sempre me apoia e agora está fazendo belas fotografias. Agradecimento especial
ao Sr. Cesar que me encorajou e desmistifica, com seu conhecimento as coisas
relacionadas a barcos e ao mar.
Tenham
todos bons ventos e ótimas velejadas, obrigado, e até a próxima!