Essa é a segunda parte da entrevista com
Marçal Ceccon, quem ainda não leu a primeira, por favor, clique aqui.
Vocês
têm acumuladas 80.000 milhas náuticas, fariam tudo novamente?
Com certeza faríamos tudo novamente, se
tivéssemos novamente 43 anos de idade. Não há dúvida que é uma vida magnífica,
mas há que se estar muito bem em todos os aspectos, saúde, finanças, filhos na
idade certa, etc. Fizemos
uma viagem pelo Atlântico (vide livro Um Giro
Pelo Atlântico) com quase 60 anos, sem as
crianças, e foi muito diferente em tudo. É outro momento da vida, não se
compara com a primeira viagem, embora tenha sido muito boa também!
Do que trata, especificamente, a
palestra que vocês ministram “A Volta ao Mundo em Músicas”?
Isso foi uma tentativa de falar dos lugares sem
mostrar imagens e sim músicas típicas. Foi meio esquisito, não sei se foi
interessante o suficiente. Fizemos só uma vez!
Você saberia explicar o interesse
insípido dos brasileiros pela Vela?
Estamos nesse meio
desde 1976. Houve, na minha opinião, alguns momentos notáveis nessa
história. No passado o “Iatismo” era efetivamente o esporte dos ricos e era
representado pelos barcos a motor e veleiros luxuosos demais para serem
populares.
Com a chegada dos
estaleiros fabricando barcos de fibra, veleiros menores e mais baratos se
tornaram viáveis. E na década de 80 o mercado de veleiros prosperou, apareceram
grandes estaleiros e as grandes flotilhas, mais gente se incluiu no
“iatismo” e mesmo a vela de cruzeiro, sem compromissos esportivos floresceu e
entusiasmou muita gente. Mas mesmo assim, as habilidades e
conhecimentos requeridos para se manobrar um veleiro, bem mais complicadas do
que num barco a motor, continuaram a ser um fator desencorajante para a grande
maioria. E novamente os barcos a motor, agora também mais acessíveis, ganharam
a preferência do brasileiro mais comodista.
Paralelamente, o
barco foi se tornando um item de representação (exibicionismo), tanto como um
carro, o que novamente canaliza a atenção para os barcos a motor. Um veleiro
para impressionar precisa ser um mega iate, enquanto uma lanchinha de 33 pés
com 900 cavalos de potência e pintura metálica impressiona tanto quanto!
Essa situação se
manteve por muito tempo e me parece que estamos chegando a
um momento, em que os veleiros estão ficando
sofisticados, simples de manobrar, e bonitos graças a inclusão de
tecnologias, equipamentos e recursos que poderiam mudar um pouco o
interesse do brasileiro médio.
Infelizmente esses
barcos “vistosos” e práticos acabam sendo caros, e novamente isso
exclui muita gente do meio. Na verdade o efeito dessa nova geração de veleiros
é mais exclusiva que qualquer outra coisa, e a vela nesses novos
moldes voltou a ser coisa de rico! Ninguém mais se contenta em
comprar um Brasília 32 para começar, todos
querem começar por um Delta 36 zero
km... E acabam ficando sem barco até conseguirem comprar um barco
zero dos seus sonhos. Enquanto
grande parte dos brasileiros potencialmente interessados em navegar tratar da
escolha de um barco com os critérios da compra de um automóvel, veleiros não
terão a preferência popular.
Numa situação hipotética, você teria
poder pra mudar a situação do Turismo Náutico no Brasil. Quais seriam sua
ações, por onde começaria?
Nos anos 60 a minha
geração queria mudar o mundo, mas parece que não deu muito certo! Agora tenho
essa segunda chance, um desafio sem dúvida. Pena que sou conservador
e radical demais para achar que teria ideias “salvadoras” nesse campo. Arriscaria
alguns comentários.
Na minha opinião há fatores culturais, legais e comerciais
difíceis de serem influenciados atualmente. Começando pela maneira como o a
Marinha do Brasil vê o “amador” no cenário nacional. Em muitos países o
navegador amador é visto e respeitado como uma força da “reserva”, pessoal
habilitado e com conhecimento do mar, de embarcações, situações de risco etc.,
que pode em pouquíssimo tempo ser treinado e mobilizado para agir em situações
de calamidades, emergências, fiscalização ou ate conflitos. Infelizmente a
atitude que se sente aqui é um claro preconceito contra “civis” querendo
brincar de marinheiro. O iatista se sente um intruso no meio marítimo. A
navegação amadora existe, e vai existir sempre, precisa ser apoiada pelas
instituições.
Do ponto de vista
econômico, atualmente, com exceção do estado da Bahia, não se reconhece o
iatismo como fonte de renda. As estatísticas de alguns anos atrás revelavam que
cada barco de cruzeiro deixa em seus portos de escala em media U$ 3.000,00 por
mês! É dinheiro na mão do comércio local, ao contrário daquele gasto por
turistas que chegam de avião, que pagaram as passagens e o pacote todo à
empresas de seu país de origem, ou seja, o dinheiro não vem para cá! Para estimular o turismo náutico só investindo em
infraestrutura, marinas e serviços com
preços internacionais, regras de importação mais ágeis, alternativas legais de
imigração, etc.
Nessa discussão de
turismo náutico não podemos ignorar o impacto das atuais políticas ambientais,
compreensíveis até certo ponto, mas bastante restritivas. Com a transformação
do nosso litoral em uma APA gigantesca de oito mil quilômetros, como parece a
tendência, estaremos sendo aos poucos empurrados para um turismo
institucionalizado, onde só se desfrutaria do mar apoiado em empresas de
turismo em barcos de passeio com monitor a bordo, e nunca em sua própria
embarcação, como já é em Fernando de Noronha, um tédio! Precisamos incluir o
velejador na lista das espécies em extinção, e olhar um pouco na
direção dos mil e um poços de petróleo ao longo dessa APA de oito mil
quilômetros...
Não sou bom mesmo
em dar ideias para mudar o mundo sem criticar os ambientalistas de gabinete
ou voltar ao século dezenove!
Poderia dar dicas para os iniciantes
da vela de cruzeiro? O que considera mais importante?
Acho que o principal conselho é não deixar seus
sonhos engavetados para depois, pode ser que nem a gaveta seja encontrada! Faça
um plano e de início à execução, nem que seja simbólico. No nosso caso minha
primeira despesa, dez anos antes de embarcarmos no Rapunzel, foi comprar um
sextante de verdade! Não sabíamos ainda nem que barco teríamos para viajar, mas
o sextante estava comprado, estávamos progredindo no projeto!
Marçal, soube que vendeu o barco e
mora com a Eneida, sua esposa, numa chácara para ficar perto dos filhos e
netos. Além dessa mudança, há alguma novidade?
Nosso novo projeto
em terra firme é a restauração de uma viatura militar 4X4 da guerra da Coreia
para sair do mundo offshore e entrar para o mundo offroad com o pé direito. No final do ano, acho, estaremos na trilha, a restauração está bem
adiantada.
É com essas
informações e experiências valiosas que nos despedimos agradecendo a grande
presença do Marçal e família em nosso blog contribuindo e enriquecendo
incomensuravelmente esse oceano virtual carente de experiências sólidas e de
pessoas com valores admiráveis como a família Ceccon.
Quem quiser saber
mais, adquirir os vários livros muito bem escritos, de leitura leve e saborosa,
acesse aqui.
Muito obrigado e
espero que tenha contribuindo para divulgar um pouco a cultura náutica
esclarecendo muitas dúvidas a respeito de cruzeiros oceânicos feitos em barcos
à vela.
Grande abraço da
nossa família, bons ventos desde a Babitonga!