quarta-feira, 30 de abril de 2014

Velejada a Dois - Primeira Vez

         Esses dias intimei a Almiranta à uma saída sem as crianças. Depois da última velejada, que ela tirou de letra, acabou topando. Antes de embarcarmos ficamos um pouco apreensivos, coisa natural antes da primeira velejada. Na outra vez que saí sozinho, o motor ainda não tinha sido apresentado ao Cesar,  quem acompanha o blog já leu essa história por aqui.

         Tão logo embarcamos liguei o motor, como já peguei o jeito, na primeira puxada ele funcionou, o bichinho está tinindo! Deixei-o ligado por poucos minutos até atingir a temperatura de trabalho. Enquanto isso iniciamos as fainas de preparação, vela (buja) devidamente posicionada para uso imediato, e soltar as amarras da melhor forma, evitando riscar o costado do barco ou até batê-lo no cais. A vantagem de um barco como o nosso é que podemos, com tempo bom, manuseá-lo com as mãos de cima do cais, ele é leve. Tudo pronto, saímos no motor pelo Canal do Iriri, lar do nosso barquinho.

         A Luciane, empolgada, bateu várias fotos enquanto eu conduzia através do canal até a Ponta das Galinhas. Chegando lá notamos a correnteza que causava grande turbulência. Era a maré subindo com bastante força se fazendo notar até nas boias que demarcam a passagem, ficando bem esticadas e inclinadas por conta da quantidade d’água que adentrava a baía.




Ponta das Galinhas ou seria dos Biguás?

         Esperei a passagem pelas boias para poder içar nossa vela, então a Luciane ficou no leme com o motor ainda engrenado avante. O vento vinha pela nossa proa, nordeste/leste. Subi a buja e a regulei, como ainda não tínhamos acertado o barco no vento, ela panejou um pouco. Quando conseguimos encaixá-lo no vento notamos que dada a correnteza o que ganhávamos no pano, perdíamos na água. Por alguns minutos ficamos ali, ganhando lá perdendo cá, e com muita parcimônia nos deslocamos para dentro da baía. Então a Luciane, achou que já estava bom, com receio de irmos muito longe, me deu um sinal para voltarmos. Entendi que para primeira vez já estava de bom tamanho, ela estava certa, devo reconhecer (ela sempre está em 99% das vezes). Respeitando nossa experiência, baixei e estivei a vela no convés, engatei avante e fizemos o retorno. A maré enchia e com ela seguimos retornando sem muito esforço.

         Felizes, retornávamos radiantes da nossa primeira experiência sozinhos. Pudemos sentir como é estar no controle por nossa conta e risco. Satisfação poder atracar depois de cumprida essa singela navegada.

         Indiretamente Dom Cesar embarcou conosco, pois sua paciência e colaboração na manutenção do nosso pequeno motor foi simplesmente crucial nesse nosso debut. Com segurança concretizou-se a primeira experiência. Devo gratidão ao nosso professor que pode nos auxiliar mais uma vez nesse imenso caminho e aprendizado que o Mar pode nos proporcionar, OBRIGADO!

         É com essas palavras que finalizamos mais uma vez essa postagem nesse blog que nos dá muito prazer em sua feitura e orgulho quando notamos que encontramos eco nos corações de muitas pessoas que sentem necessidade de simplificar suas vidas, pois as emoções genuínas são assim, simples, leves e puras.

         Grande abraço da nossa família à sua, e não esqueça das palavras de Marçal Ceccon, desengavete seus sonhos!

Bons Ventos desde a Babitonga!




No retorno, a realização

sábado, 26 de abril de 2014

Heavy Metal na Barra!


         A baía Babitonga é abrigada do vento sul, quando ele sopra ela parece uma lagoa, fica uma delícia.

Ontem saímos para mais uma velejada em família com a presença do decano Cesar. A ideia era ir até a ilha da Paz, porém, o friozinho matinal e o tempo fechado impediu que a tripulação se animasse a acordar cedo, inclusive nosso professor. Antes do sol raiar, sim, ele apareceu tímido entre as nuvens, eu rolava na cama de um lado para o outro, ansioso do dia que teríamos pela frente. Ainda experimentaríamos a nova genoa (vela maior da frente).

Ainda atracados içamos a Mestra e deixamos a genoa pronta para içá-la tão logo fosse possível. Ligamos o motor para auxiliar a saída, e só; então desligamos. A nova genoa mostrou serviço ainda no Canal do Iriri e percebemos uma diferença de desempenho; o barco ficou mais rápido, e o que confirmamos depois e é melhor, manteve sua estabilidade.

Nos deslocamos com rapidez até a Ponta das Galinhas, extremidade do Capri, onde o canal, que na verdade é um rio, faz uma curva em formato de cotovelo antes de desaguar na Babitonga. Ali fizemos um bordo, para seguir baía adentro. Tudo muito tranquilo, a embarcação seguia com invejável estabilidade, o vento sul, nessas condições não é puro, ou seja, ele perde sua intensidade e um pouco da direção por causa dos morros e matas, passando por cima da baía evitando assim incomodar a água. Parecia uma velejada domingueira, se é que me entende?







Seguimos nessa tranquilidade e conforto perpassando praia do Capri, Farol do Sumidouro, praia do Forte... Tirávamos fotografias, estava quase ficando chato, quase! Quando então iniciamos a abordagem do Morro João Dias em nosso través de boreste, local onde funcionou por décadas o Forte Marechal Luz e hoje é o segundo ponto turístico mais importante de São Francisco do Sul; estávamos chegando à barra da baía Babitonga!

O que nós perceberíamos in loco é que a baía Babitonga é abrigada do vento sul, a BAÍA! Gradativamente, nossa abordagem à barra foi se mostrando punk, ou pior, heavy metal. O vento foi apertando pois agora ele era puro e vinha quase na cara. As ondas não eram grandes, mas chegavam a quebrar e eram todas desencontradas. O pano todo em cima, parecia regata oceânica, o barco estava bem adernado. Às vezes, como que pra testar a tripulação, entrava uma rajada, o barco orçava bastante querendo entrar no vento. Cruzamos o canal dos navios e, para piorar, pela nossa bochecha de boreste estava a caminho um bruta montes a toda máquina, bufando pelas suas chaminés, parecendo estar zangado com algum barquinho incauto que se atreve a cruzar o seu canal. Cruzamos o canal dos navios nessa navegada que parecia dentro de um liquidificador, para safarmos dos gigantes. Poderíamos ir até a ilha da Paz, mas ficaria tarde e eu, preocupado com o Victor que ficava escondidinho na cabine fui confortá-lo. Já estava mareado e foi só ficar um pouco na cabine com o Victor para a sensação de desconforto aumentar sobremaneira. Voltei ao cockpit, mas era tarde. Virei passageiro. Não foi a primeira vez, acredito que é devido mais ao nervosismo do que ao mar desagradável. Enquanto não chamei o tripulante imaginário chamado Hugo, não melhorei. Depois a gente volta a ficar normal quase que instantaneamente.

Cesar, achou por bem fazer o retorno no meio daquela bagunça, a Lê ajudou-o pois eu me encontrava em situação miserável. Aliás, a tripulação feminina estava curtindo a velejada e, diferente do Victor e eu, faziam festa. Dom Cesar não conta, pois demonstrava sua inabalável calma e controle, coisa de fazer inveja a qualquer monge budista.

Ainda na barra outro navio saindo da baía, depois de ter prestado seus serviços, cruzou com o grandalhão que havíamos encontrado antes.

Gradativamente deixamos a barra em direção à praia do Forte novamente e tão logo a praia se mostrou pra nós o mar também acalmou. Estávamos de novo no paraíso, velejada domingueira, que saudades de você baiazinha abrigadinha! Juntei meus cacos e me recompus. Acredito que fiquei muito nervoso imaginando aquela situação sozinho no leme, acho que faria a volta e deixaria para uma outra vez! Agradeço novamente a oportunidade de ter conhecido Dom Cesar (como respeitosamente o colega Juca Andrade apelidou-o). Não fosse ele nosso aprendizado seria bem mais lento e quiçá temeroso. Às vezes, esse aprendizado a respeito de barcos e do mar não é algo muito confortável e prazeroso, porém necessário e intensivo. Dom Cesar quis testar a têmpera da tripulação já que pra ele não há novidade nisso tudo, navegador das costas do litoral do Paraná e Santa Catarina. Agora é assimilar as lições e aplicá-las no momento adequado.


Grande abraço da nossa família desde a Babitonga, até a próxima ancoragem, e que ela seja bem abrigada!


Chuvinha intermitente no través da praia do Capri


Chegada à barra


Costão do Morro João Dias e Ilha dos Veados ao fundo


Ilha da Paz


Entre os dois morros a praia de Itaguaçu, do lado esquerdo, Ubatuba


No retorno, a praia do Forte com suas instalações militares


Retorno à praia do Capri


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Velejada Pascal - Apresentando a Vela


Logo na saída Cesar passou o leme a Gerard

         Antes de chegarmos ao barco uma chuvinha intermitente. Um sueste soprava em boa dose, de 12 a 15 nós. Limpamos o barco para receber os convidados ilustres que vieram da serra gaúcha para velejar pela primeira vez, Kaila e Gerard. Para capitanear a embarcação; Dom Cesar.

         A responsabilidade é muito grande. Como se sentiriam nossos convidados em seu debut à vela?

         O sueste atinge nosso barco pela popa no lugar onde ele fica atracado, à nossa proa temos a praia, então é preciso sair a motor, engrenando a ré; contra o vento.

         A vela da frente, a buja, estava devidamente estivada no convés, pronta para ser içada. Quando estávamos no meio do canal do Iriri, Cesar desligou o motor. Içamos a buja com amuras a bombordo numa popa rasa. Seguimos assim até a Ponta das Galinhas, extremidade do Capri, onde fizemos um bordo, aproando em direção ao canal principal da Baía Babitonga. Uma vez na Babitonga seguimos num través. Como o mar estava abrigado pelos morros e terra, tínhamos uma condição estupenda; quase um tapete. Dom Cesar, sabiamente, pensando na tripulação de primeiro curso, resolveu utilizar somente a vela de proa visando a estabilidade da embarcação e, consequentemente, o conforto a bordo.

         Segundo explicações de Cesar, a vela Mestra é mais potente; é a mola propulsora do barco. A Buja tem menor área e é muito mais maleável; versátil. Tínhamos uma condição eólica perfeita, não havendo, nesse passeio, a necessidade da vela principal, ou seja, a Mestra. A utilização das novas velas aumentaria excessivamente a inclinação lateral do barco (adernamento); algo indesejável, visto que nossos novos tripulantes faziam seu debut. É claro que a utilização das duas velas naquela situação aumentaria nosso desempenho, porém, tornaria a navegação desconfortável.





Os sorrisos caracterizam bem o clima a bordo

         Foi uma velejada confortabilíssima com exclamações entusiásticas durante todo o trajeto. Acredito que eles melhor descreverão sobre as sensações que tiveram a bordo de nosso simpático barquinho.

         Na volta, quase na entrada do canal, o vento apertou, então Kaila e Gerard ajudaram a recolher o pano, ligamos o motor e fizemos o retorno.

         É com a sensação de coração limpo de quem volta do mar realizado é que nos despedimos desejando ótimos ventos e velejadas.

         Abraços desde a Babitonga!


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Marçal Ceccon - Entrevista (parte II)

Essa é a segunda parte da entrevista com Marçal Ceccon, quem ainda não leu a primeira, por favor, clique aqui.


Vocês têm acumuladas 80.000 milhas náuticas, fariam tudo novamente?

Com certeza faríamos tudo novamente, se tivéssemos novamente 43 anos de idade. Não há dúvida que é uma vida magnífica, mas há que se estar muito bem em todos os aspectos, saúde, finanças, filhos na idade certa, etc.  Fizemos uma viagem pelo Atlântico (vide livro Um Giro Pelo Atlântico) com quase 60 anos, sem as crianças, e foi muito diferente em tudo. É outro momento da vida, não se compara com a primeira viagem, embora tenha sido muito boa também!

Do que trata, especificamente, a palestra que vocês ministram “A Volta ao Mundo em Músicas”?

Isso foi uma tentativa de falar dos lugares sem mostrar imagens e sim músicas típicas. Foi meio esquisito, não sei se foi interessante o suficiente. Fizemos só uma vez!

Você saberia explicar o interesse insípido dos brasileiros pela Vela?

Estamos nesse meio desde 1976. Houve, na minha opinião, alguns momentos notáveis nessa história. No passado o “Iatismo” era efetivamente o esporte dos ricos e era representado pelos barcos a motor e veleiros luxuosos demais para serem populares.
Com a chegada dos estaleiros fabricando barcos de fibra, veleiros menores e mais baratos se tornaram viáveis. E na década de 80 o mercado de veleiros prosperou, apareceram grandes estaleiros e as grandes  flotilhas, mais gente se incluiu no “iatismo” e mesmo a vela de cruzeiro, sem compromissos esportivos floresceu e entusiasmou muita gente.  Mas mesmo assim, as habilidades e conhecimentos requeridos para se manobrar um veleiro, bem mais complicadas do que num barco a motor, continuaram a ser um fator desencorajante para a grande maioria. E novamente os barcos a motor, agora também mais acessíveis, ganharam a preferência do brasileiro mais comodista.
Paralelamente, o barco foi se tornando um item de representação (exibicionismo), tanto como um carro, o que novamente canaliza a atenção para os barcos a motor. Um veleiro para impressionar precisa ser um mega iate, enquanto uma lanchinha de 33 pés com 900 cavalos de potência e pintura metálica impressiona tanto quanto!
Essa situação se manteve por muito tempo  e me parece que estamos chegando a um  momento, em que os veleiros estão ficando sofisticados,  simples de manobrar, e bonitos graças a inclusão de tecnologias, equipamentos e recursos que poderiam mudar um pouco o interesse do brasileiro médio.
Infelizmente esses barcos “vistosos” e práticos  acabam sendo caros, e novamente isso exclui muita gente do meio. Na verdade o efeito dessa nova geração de veleiros é mais exclusiva que qualquer outra coisa, e a vela nesses novos moldes  voltou a ser coisa de rico! Ninguém mais se contenta em comprar um Brasília 32 para começar, todos querem começar por um Delta 36 zero km... E acabam ficando sem barco até conseguirem comprar um  barco zero dos seus sonhos. Enquanto grande parte dos brasileiros potencialmente interessados em navegar tratar da escolha de um barco com os critérios da compra de um automóvel, veleiros não terão a preferência popular.
Numa situação hipotética, você teria poder pra mudar a situação do Turismo Náutico no Brasil. Quais seriam sua ações, por onde começaria?
Nos anos 60 a minha geração queria mudar o mundo, mas parece que não deu muito certo! Agora tenho essa segunda chance, um desafio sem dúvida. Pena que sou  conservador e radical demais para achar que teria ideias “salvadoras” nesse campo. Arriscaria alguns comentários.

Na minha opinião há  fatores culturais, legais e comerciais difíceis de serem influenciados atualmente. Começando pela maneira como o a Marinha do Brasil vê o “amador” no cenário nacional. Em muitos países o navegador amador é visto e respeitado como uma força da “reserva”, pessoal habilitado e com conhecimento do mar, de embarcações, situações de risco etc., que pode em pouquíssimo tempo ser treinado e mobilizado para agir em situações de calamidades, emergências, fiscalização ou ate conflitos. Infelizmente a atitude que se sente aqui é um claro preconceito contra “civis” querendo brincar de marinheiro. O iatista se sente um intruso no meio marítimo. A navegação amadora existe, e vai existir sempre, precisa ser apoiada pelas instituições.

Do ponto de vista econômico, atualmente, com exceção do estado da Bahia, não se reconhece o iatismo como fonte de renda. As estatísticas de alguns anos atrás revelavam que cada barco de cruzeiro deixa em seus portos de escala em media U$ 3.000,00 por mês! É dinheiro na mão do comércio local, ao contrário daquele gasto por turistas que chegam de avião, que pagaram as passagens e o pacote todo à empresas de seu país de origem, ou seja, o dinheiro não vem para cá! Para estimular o turismo náutico só investindo em infraestrutura, marinas e serviços com preços internacionais, regras de importação mais ágeis, alternativas legais de imigração, etc.
Nessa discussão de turismo náutico não podemos ignorar o impacto das atuais políticas ambientais, compreensíveis até certo ponto, mas bastante restritivas. Com a transformação do nosso litoral em uma APA gigantesca de oito mil quilômetros, como parece a tendência, estaremos sendo aos poucos empurrados para um turismo institucionalizado, onde só se desfrutaria do mar apoiado em empresas de turismo em barcos de passeio com monitor a bordo, e nunca em sua própria embarcação, como já é em Fernando de Noronha, um tédio! Precisamos incluir o velejador  na lista das espécies em extinção, e olhar um pouco na direção dos mil e um poços de petróleo ao longo dessa APA de oito mil quilômetros...
Não sou bom mesmo em dar ideias para mudar o mundo sem criticar os ambientalistas de gabinete ou voltar ao século dezenove!
Poderia dar dicas para os iniciantes da vela de cruzeiro? O que considera mais importante?

Acho que o principal conselho é não deixar seus sonhos engavetados para depois, pode ser que nem a gaveta seja encontrada! Faça um plano e de início à execução, nem que seja simbólico. No nosso caso minha primeira despesa, dez anos antes de embarcarmos no Rapunzel, foi comprar um sextante de verdade! Não sabíamos ainda nem que barco teríamos para viajar, mas o sextante estava comprado, estávamos progredindo no projeto!

Marçal, soube que vendeu o barco e mora com a Eneida, sua esposa, numa chácara para ficar perto dos filhos e netos. Além dessa mudança, há alguma novidade?

Nosso novo projeto em terra firme é a restauração de uma viatura militar 4X4 da guerra da Coreia para sair do mundo offshore e entrar para o mundo offroad com o pé direito. No final do ano, acho, estaremos na trilha, a restauração está bem adiantada.
É com essas informações e experiências valiosas que nos despedimos agradecendo a grande presença do Marçal e família em nosso blog contribuindo e enriquecendo incomensuravelmente esse oceano virtual carente de experiências sólidas e de pessoas com valores admiráveis como a família Ceccon.

Quem quiser saber mais, adquirir os vários livros muito bem escritos, de leitura leve e saborosa, acesse aqui.

Muito obrigado e espero que tenha contribuindo para divulgar um pouco a cultura náutica esclarecendo muitas dúvidas a respeito de cruzeiros oceânicos feitos em barcos à vela.

Grande abraço da nossa família, bons ventos desde a Babitonga!



domingo, 6 de abril de 2014

Elas Chegaram!

- Como faço pra chegar aí? – Perguntava Roberto ao telefone ao meio dia.

         Eu explicava e ele tomava nota. No meio da tarde chegaram Roberto e Gorete de motocicleta vindos de Florianópolis, 200 quilómetros daqui. Usaram as velas como pretexto para passear de moto, revisitar São Francisco do Sul e nos fazer uma agradável visita surpresa.

         É domingo e depois do almoço nem as padarias (a maioria) ficam abertas, com isso não pudemos oferecer pães frescos, problema esse rapidamente solucionado com pães integrais de forma e um providencial café passado na hora.

         Abrimos as velas no quintal e pude, a pedido de Roberto, constatar o serviço. A tão esperada Genoa (vela da frente) ficou bem diferente em seu novo formato, especialmente moldada para o Hoje! As outras duas velas originais foram renovadas com reforços em locais estratégicos. A nova Genoa é içada à moda antiga, ou seja, através de garrunchos. Acho esse sistema mais vantajoso, pois, acredito, polpa a vela de intempéries. Aposentaremos o enrolador e por isso pedi ao Roberto que instalasse garrunchos na Buja (vela menor da frente).


Victor, Rico, Luciane, Gorete e Roberto

         O material está pronto. Agora é conter a ansiedade, fazer uma análise meteorológica, conferir a tábua das marés e marcar uma saída para experimentar o comportamento do nosso barquinho.

         E viva o trabalho marinheiro!


         Bons ventos desde a Babitonga!



sábado, 5 de abril de 2014

Marçal Ceccon - Entrevista (parte I)


         Há algum tempo tenho a feliz oportunidade de trocar alguns e-mails com uma pessoa singular, figura muito querida e respeitada no meio náutico. Circunavegou o globo em família a bordo do Rapunzel, um veleiro de aço de 43 pés, construído especialmente para essa empreitada. Aos 43 anos largou uma sólida carreira como engenheiro mecânico na indústria automobilística e, em família, desengavetou e realizou o sonho de viajar e conhecer o mundo.

         Marçal Ceccon é o nome dele. Depois de ler alguns de seus escritos minha curiosidade e admiração cresceram enormemente e tive a ideia dessa entrevista para saber mais dessa fantástica experiência.

Marçal, quais foram as motivações que você teve quando decidiu com a família circunavegar o planeta?

Marçal Ceccon: No inicio dos anos 80 já velejávamos no mar e eu estava planejando cruzar o Atlântico em nosso  veleiro de 23 pés com um amigo. No meio desse planejamento meu amigo “desembarcou” da aventura e fiquei frustrado. Foi então que a grande ideia surgiu, porque não fazer isso com a família, minha tripulação tradicional? Aí os planos ficaram mais ousados, ao invés de cruzar o atlântico, porque não morar a bordo e dar a volta ao mundo? Afinal, esse era o sonho de todo velejador!

A preparação da família Ceccon para soltar as amarras definitivamente demorou 8 anos (1983-1991), o que vocês fizeram nesse tempo além de cuidar da construção do barco?

Em 83 começamos a construção do Rapunzel  1 um veleiro de 38 pés. Esse barco se revelou pequeno quando estávamos na fase de envernizar o interior. Acabamos  vendendo ele  começando novamente do zero o Rapunzel 2, com 43 pés, com o qual viajamos!
Enquanto construímos esses dois barcos montamos  nosso roteiro, estudamos a meteorologia  das regiões  ao longo do caminho, aprendemos a língua francesa, fomos nos desligando de compromissos, despesas, e necessidades que teriam que ser deixadas para trás. Equipamos  o barco, preparamos a família, lemos muito sobre os lugares que iriamos visitar. No final tínhamos a sensação de  que nosso espírito já estava viajando muito antes de zarparmos, e que  fisicamente ainda  estávamos  ali em casa somente para  finalizar esses compromissos para então alcançar o espírito! A realização de um sonho é um momento mágico que em um segundo apaga todo o sacrifício da preparação.

Qual o requisito primordial para largar as “amarras do sistema”?

Total cumplicidade da família. Embora em geral o sonho de viajar pelos sete mares seja sempre uma iniciativa do homem, somente a participação e concordância irrestrita da mulher e eventualmente filhos vai viabilizar o projeto, pois ele requer algumas trocas que podem ser sacrifícios individuais. É necessário, às vezes, adiar os próprios sonhos para ajudar o outro a realizar o seu!

Marçal, você possui larga experiência como capitão e percebi, através dos seus escritos, que nunca pegaram uma forte tempestade nessas andanças pelo mundo a bordo do Rapunzel. O conhecimento e interesse em meteorologia é coisa primordial ao navegador?

Sim, é fundamental  ter uma boa noção e prática na interpretação de informações meteorológicas (cartas sinóticas, avisos de mau tempo, imagens de satélite, etc.) e ter bom senso para antecipar as mudanças, ou seja fazer uma previsão de tempo momentânea. Isso vai possibilitar se preparar para as mudanças e evitar problemas. A razão de termos tido tão poucos problemas na viagem foi nossa capacidade de entender como os sistemas de tempo funcionavam em cada região.

De modo geral, é mais difícil fazer uma viagem de circunavegação hoje, ou os desafios são os mesmos?

No fundo acho que o mar será sempre o grande desafio embora,  pelos relatos que vejo dos circunavegadores atualmente, pareça que mesmo o mar está mais complicado. Em toda viagem mais recente alguém pega um “rabo de furacão”, um tsunami, ou pelo menos dias e dias de ondas de 5 a 7 metros. Nós, em 21 anos de vela no Rapunzel, jamais enfrentamos uma onda maior do que 4 ou exagerando, no máximo 5 metros durante uma noite...
O interessante é que  deveria ser o contrário, hoje com as previsões de tempo sofisticadas e disponíveis em tempo real, poderia se evitar mais facilmente esses contratempos!
Já a burocracia e custo de viagem, isso sim acho que se complicaram muito. O mundo atual com sua avidez  em controle e vigilância esta condenando aquela ideia de sair por aí “sem lenço nem documento” a um sonho utópico.
É dispensável perguntar que essa experiência marcou e, provavelmente, mudou a forma como vocês enxergam o mundo. Que reflexos psicológicos essa grande vivência despertou?

Sem dúvida foi uma experiência que mudou completamente nossos valores, nossas expectativas e nossa maneira de viver. Ser o único responsável pelo resultado de todas as suas ações torna as pessoas mais modestas , cuidadosas, menos egoístas e mais conscientes de seu lugar no mundo. Viver com a família 24 horas por dia em um espaço tão restrito como um barco nos ensina a compreensão, respeito e tolerância de forma muito profunda.
E para os filhos, participar de tudo na vida a bordo trás responsabilidade, autoconfiança e determinação como escola alguma seria capaz de ensinar. Imagine o que muda em um garoto de 13 anos, cuja única responsabilidade era ir para a escola e fazer as lições de casa, de repente estar no cockpit de um veleiro de 12 metros, no meio da noite, em pleno oceano, fazendo seu turno de vigília responsável pelo resto da família que dorme tranquila lá em baixo... É uma lição de confiança!
Vocês recomendariam a experiência de uma circunavegação à outras pessoas?

Dar a volta ao mundo não tem um significado concreto em si, é como escalar o Everest, ou cruzar o Canal da Mancha a nado, é no fundo um ato a mais na vida de seus protagonistas. Mas ao fazermos isso nos tornamos importantes para um mundo de gente, igualmente sonhadoras. Elas nos incentivam  e acompanham com entusiasmo. E quando nos veem concretizando nosso sonho provavelmente irão pensar ...“eles não desistiram...eu também não vou desistir...” e isso é importante, alimentar o espírito humano, que nunca se rende. Sim, acho que todo aquele que sente esse apelo, ou de qualquer outro sonho, deve segui-lo.
Viajar pode, em certa medida, nos amadurecer espiritualmente, você acredita nisso?
Quando se passa por qualquer experiência fora dos padrões estabelecidos com certeza mudamos internamente. Ninguém exprimiu com tanta ênfase esse sentimento como Deborah Kinley,  sobrevivente de um naufrágio: “Aquele que conheceu as alturas e os abismos nunca mais conhecera a paz. Não como o calmo coração a conhece. Um muro coberto de era, o jardim ao lado ou o velho encanto de uma rosa, e, embora volte a trilhar os caminhos humildes do homem, jamais falará a linguagem comum.” 
A sua abordagem como escritor é muito amistosa, informal e honesta, isso nos prende à leitura. Quais destinos lembram com saudades e desejariam revisitar?

Creio que é unanimidade familiar, nossos lugares inesquecíveis foram San Blás no Panamá, atol de Ahe na Polinésia Francesa, Tonga na Melanésia, Chagos no Índico e África do Sul. São nossas mais caras lembranças, locais onde ficamos mais tempo obviamente.