quinta-feira, 21 de maio de 2015

O último aceno do intrépido velejador


         Dia 19 de maio, há dois dias, recebi um comentário do Luciano Guerra, Comandante do veleiro Araiti, baseado na Ilha Grande. Era a triste notícia do falecimento do grande velejador argentino Victor Otaño que em seu pequeno barco subiu a costa brasileira desde Buenos Aires. Morou por quase uma década na Ilha Grande e, com saudades da família, resolvera retornar. Na descida da costa, em seu caminho de volta, eu e o Cesar tivemos o prazer de conhecê-lo, quando da sua passagem por aqui. Quem ainda não conhece esse relato ou quer relembrá-lo clique aqui.


Os últimos dias na Ilha Grande, antes de zarpar definitivamente para o sul

Quando Cesar mostrou-lhe o barco que está construindo, Victor percebeu o grande potencial construtivo e como Cesar conhecia sobre motores e barcos. Então lhe pediu auxílio com seu motor de popa, pois o mesmo apresentava funcionamento irregular e não oferecia segurança. Cesar rapidamente, como de praxe, descobriu o problema alegando ser apenas sujeira no carburador, o desmontando inteiro, limpando, reinstalando e testando. Victor ficara muito contente, pois pensava ser algo mais complicado e penoso de se resolver. Permaneceu poucos dias conosco e antes de ir embora Cesar orientara Victor quanto ao melhor lugar para seu próximo fundeio, a Armação de Itapocorói, município de Penha, algumas milhas ao sul de São Francisco do Sul. A Luciane e eu então resolvemos presenteá-lo com um sacolão de frutas, alimento mais adequado quando nos fazemos ao mar, pois dependendo da condição climática não é possível cozinhar nem tão pouco comer algo mais elaborado, o corpo humano simplesmente rejeita. Antes de oferecer as frutas ainda perguntei se ele tinha alguma restrição médica como diabetes, pois aí frutas não seriam bem vindas, e ele simplesmente me respondeu negativamente, afirmando não utilizar nenhum medicamento controlado. Isso comprova que sua saúde era boa. Consta que quando chegou à Argentina morreu dormindo, junto aos seus.

         Reproduzo integralmente o e-mail que o Comandante Luciano Guerra me enviou como resposta ao meu pedido de algum “causo” sobre a vida dessa gran persona:


Olá Rico,
Antes de contar algumas histórias sobre o Victor segue as últimas fotos
do Marangatu antes de partir para o Sul. Foram tiradas quando passava
velejando por ele com o velejador argentino Luciano Menéndez.
Como eu sempre fazia.

Eu costumo acordar cedo, embarcar no meu veleiro Araiti, fazer a faina
e depois velejar. Antes de velejar eu sempre passo ao largo da Praia
da Crena numa espécie de bênção e bom dia aos velejadores amigos de
fora que sempre estão ali atracados. Enfim.

Sempre passava, dava bom dia ao Victor e ao outro velejador que ainda mora
na Ilha Grande, meu amigo Gerônimo. As vezes eu parava para conversar.

As vezes (quase sempre) era apenas um bom dia, mas era um ritual. Eu
passava pelo barco do Gerônimo dava um bom dia e depois eu passava
pelo Victor e recebia dele o meu bom dia. Só depois eu ia velejar.

"Causo"
Em diversas vezes ficava conversando com ele sobre subir e descer a costa.
Foi então que em uma dessas conversas ele me falou que o único medo que
ele tinha no mar era de navios cargueiros. Me falou que em Itajaí dormiu ao
leme e acordou com o barulho do hélice de um cargueiro bem no seu través.

Ele me falava que qualquer barco que não faz água pode cruzar o mundo,
basta que o velejador seja um bom meteorologista e não ligue para calendário
gregoriano e relógio de pulso... risadas..... :-D

Sempre trocávamos ideia sobre os melhores dias para ir até Paraty (vento LE).
Mas eu gostava mesmo era da calma dele.

Na Ilha Grande não deu muito tempo de passar necessidade porque lá nós nos
ajudamos muito então ele logo arrumou trabalho que rendesse a ele recursos
para se alimentar.

Ele falou que a Baía da Ilha Grande era como o céu na terra, mas que gostaria
de voltar para a Argentina e viver seus últimos dias por lá dignamente.

Na Ilha Grande, o largo da Praia da Crena é como o nosso quarto, onde após
um dia de velejada jogamos o ferro e voltamos para dormir. Para o Victor era
a casa dele.

Era muito bom conversar com esses dois argentinos o Victor e o Gerônimo.

Um sempre sorrindo (O Gerônimo) e o outro sempre silencioso e sereno (Victor).

"Causo"
Certa vez estávamos preocupados porque ele falou que iria até Angra e voltaria
rápido..............

Um mês depois, velejando por Paraty encontrei o bravo lá:

Eu -- Hola Victor!!! Como estás?
Victor -- Mui bien...Estoy mui bien...
Eu -- Quanto tempo está em Paraty?
Victor -- Creo que cheguei ontem vindo da Ilha Grande.
Eu -- Victor! Você já está fora da Ilha tem um mês.
Victor -- "JURA????"

Eu e ele -- muitas risadas....




Abraços
Luciano Guerra
Veleiro Araiti
Ilha Grande



         Bons ventos, onde quer que esteja Victor.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

1.ª Feijoada Cultural do Museu Nacional do Mar


Passados quinze dias, pude sentar com calma e descrever o último grande evento cultural ocorrido no Museu Nacional do Mar, sim, mais um! Esses meses foram intensos. Recebemos primeiro a jornalista carioca Isabella Sousa Nicolas para o lançamento do seu livro e exibição do belo documentário Mar Me Quer. Depois a recepção foi feita à grandíssima navegadora (remadora e velejadora) Isabel Pimentel que pode dar o privilégio de sua convivência conosco inclusive num jantar muito especial feito pelos pais do Wagner Meiga na casa deles.

Muito apropriadamente, foi proposta uma atividade cultural e social para angariar fundos para os projetos de navegação do Museu que há muito estavam parados, só necessitando esse empurrãozinho para reinício das atividades. Os barcos já estão lá, os professores idem. Foi inaugurado um flutuante, para que, de forma segura e acessível, as crianças e professores possam exercer as atividades virtuosas do Remo e da Vela. Foi a 1.ª Feijoada Cultural que teve a participação de crianças da rede pública, algo de suma importância, líderes locais representando várias entidades ligadas ao mar e a cidade e a presença dos idealizadores desse grande reduto cultural que é o Museu Nacional do Mar; o professor Dalmo Vieira Filho e o navegador e escritor Amyr Klink.

Desnecessário dizer que foi uma grande festa, e que organização! Os participantes notaram; o trabalho e esmero foram grandes. O resultado de tudo isso foi uma ótima sinergia que tornou propícia a transmissão de conhecimentos e vivências que com certeza registrou-se na memória de quem ali esteve presente. Foi um dia especial, era possível sentir isso. Com a aproximação dos idealizadores e mantenedores do Museu pode-se entender a amplitude e profundidade da mensagem que esse, antes apenas um velho armazém abandonado da extinta companhia Hoepcke, passa àqueles que se aventuram a tentar desvendá-lo. E essa tarefa não é difícil, necessário apenas que deixemos nossa imaginação flutuar pelos mares, assim como nossos ancestrais fizeram por séculos ou milênios.

A competente e talentosa banda Guarani, a mais tradicional de São Francisco do Sul, abriu o simpático evento. Consta que tem quase um século de existência desde a sua formação inicial. É formada majoritariamente por instrumentos de sopro de metal e se caracteriza por ser uma Big Band. Tocou vários sucessos populares com arranjos especiais e impecavelmente executados. Som agradabilíssimo no ar que tornou a atmosfera mais sofisticada e apropriada.

Aí então o Cesar, responsável pelo charmoso Café do Museu foi quem fez as vezes de anfitrião e, ótimo orador, anunciou aos presentes quem iria discursar. Tivemos a presença e palavra de um munícipe muito importante para a história da cidade, Carlos Alberto de Oliveira, conhecido simplesmente como “Zera”. É o prático há mais tempo na atividade e completou recentemente meio século na profissão. Depois foi a vez do Capitão de Corveta Claudio Luiz, que demonstrou toda a sua admiração aos feitos do ilustre convidado que discursaria a seguir. O último a dar brevemente a palavra foi o grande navegador e escritor brasileiro Amyr Klink. Enfatizou que o Museu deve incorporar nova fase e, num misto entre devaneio e realidade, assinalou que aqueles barcos que ali jaziam como fósseis de um período muito antigo fossem ressuscitados recolocando-os n’água a fim de que as crianças pudessem entender o passado e compreendessem toda a poesia dos antigos que desfilavam nessas canoas dependentes apenas das luas, marés, correntes e ventos. Que com seu conhecimento ancestral, herdados dos mais velhos, conseguiam construir aqueles barcos, responsáveis que foram por transportar pessoas, comida e também esperança.

Esse novo insight foi revelado e no que depender de nós, arregaçaremos as mangas para poder propiciar isso às nossas crianças. É um resgate de nossas origens e elas precisam conhecer isso. Ainda falando delas, depois do breve ensejo, a feijoada foi servida paralelamente à conversa do Amyr embaixo de uma frondosa árvore na parte da frente (para o mar, é claro) do Museu, que tem o porto de São Francisco na outra margem. A árvore fora providencial com o sol de outono que não dava sensação de queimar, mas que em excesso incomodava. Ali, mais do que prestar contas com a escola, a fim de melhorar notas e poder exibir um boletim melhor aos pais, vimos crianças muito atentas, perguntaram muito mais do que era necessário à obtenção de notas. Foi lindo! O interesse era genuíno. Baseados em alguns poucos relatos de nosso grande marinheiro dos mares gelados eles puderam, face a face, saciar a sua curiosidade perguntando-o sobre fatos que bem poderiam ter sido criações fictícias. Com paciência e tato dignos dos gênios respondeu calma e interessadamente a cada uma das ávidas crianças.

A Feijoada, e agora me refiro ao prato, estava divinamente preparada. Fora feita com esmero e requintes de chefe de cozinha. Algo digno de nota visto que era um almoço acessível à população.

Nosso grande amigo Luciano Saraiva trouxe seus alunos de Vela do JIC (Joinville Iate Clube) e demonstrou o que são as aulas e como as crianças se comportam com os barquinhos; um misto de diversão, disciplina e trabalho em equipe. Ele colhe junto ao JIC os primeiros frutos dessa dedicação, nos resultados das primeiras regatas que estão realizando fora do clube.

Foi um dia memorável e agradabilíssimo em clima familiar e sentimento de união autêntico. Todos ali estavam muito satisfeitos em fazer parte do sentimento de integração. Aliás, esse é um sentimento inerente às coisas do Mar. O mar, afinal, foi responsável em unir os continentes e povos e não há como duvidar do incrível poder de coesão que ele pode provocar, é só olharmos atrás em nossa história. Querendo ou não, todo nosso caldeirão de povos e etnias teve que se reunir e formar uma nação. Essa lição de convivência resultou num povo afável e gregário como é o nosso, não por acaso.


É com esse sentimento elevado de evolução dos seres através da união dos povos e compreensão das diferenças que nos despedimos desejando os melhores ventos, da nossa família à sua desde a Babitonga!


Banda Guarani


O trombonista demonstrou seu domínio no instrumento solando com muita desenvoltura


Cesar, responsável pelo Café do Museu e um dos organizadores da Feijoada


Carlos Alberto de Oliveira, o “Zera”


Capitão de Corveta Claudio Luiz



Amyr Klink




Luciano Saraiva e seus alunos do JIC



Professor Dalmo Vieira Filho


Luciano Saraiva e a “guriada” do JIC, seus alunos de Vela


A “guriada” do JIC e o cozinheiro responsável pela deliciosa Feijoada


O Victor e a Lelê posando no convés do Leva Vento antes da confraternização ofertada pelos Comandantes Wagner e Neusa