terça-feira, 24 de junho de 2014

Madrugada, través de Tutoia...


         Domingo, vivíamos as primeiras horas do dia primeiro do mês de Junho. Través de Tutoia. Depois da partida de São Luís, cada qual, assumia seu turno, os outros descansavam.

         Turno do cão é o termo náutico que denomina o espaço de tempo que um marinheiro tem que ficar de vigília na embarcação, responsável pelo barco e tripulação, geralmente entre as 2 e 4 horas da manhã. Nesse horário, muito provavelmente devido a nossa característica biológica, o cérebro utiliza para o sono profundo e reparador pois, temos hábitos diurnos. Por mais que estejamos descansados é a hora mais difícil, praticamente impossível não cochilar.

         “Toque-toque-toque”. Aos poucos fui despertando do sono leve que consegui ter. Fernando batia na gaiúta da cabine que eu pernoitava. Mesmo semidesperto, a comunicação era clara: chegara minha vez, era o meu turno. Para reforçar e certificar-se que havia despertado, chamou por mim completando com uma fisionomia nitidamente cansada: “Vá lá, é a sua vez.”

         Pedi-lhe alguns segundos para preparar-me. Vesti uma jaqueta. Por mais que estejamos numa latitude perto da linha do Equador, a noite, com o vento e ausência do sol, expostos aos elementos, sentimos frio.

         Tão logo assumi o leme verifiquei a tela do GPS. A rota traçada era muito próxima de terra, quase em colisão com pedras da entrada da barra de Tutoia. Aquilo deixou-me cabreiro. Indagava-me do porquê daquilo. Mantive o barco no rumo, como orientado, mas não conformava-me. Por que rumaríamos em direção à barra tendo a nosso bombordo (esquerda) um mar infinito e sem obstáculos e perigos à navegação?

         Aquela dúvida corroía-me interiormente. Alguma coisa estava errada. Não podia acatar uma orientação dessas sem questionar, era a vida de todos e a integridade do barco que estava em jogo. O que eu alegaria caso ocorresse um abalroamento? Aquilo deixava-me muito inquieto.

         Sabia que o Capitão Glauco jazia no sofá da cabine principal dormindo o sono dos justos, descansando de um turno longo por conta da responsabilidade inerente a ele a respeito da passagem pela barra da baía de São Marcos e os bancos de sua entrada. Sentia ter que despertá-lo, porém, o momento era oportuno, a situação, pra mim, estava começando a ficar tensa. Não podia mais calar. Com muito pesar, despertei Glauco. Na primeira tentativa, fiz de maneira tímida e não obtive êxito. Sabendo não haver outro jeito, chamei-o de forma mais eloquente, no que, prontamente e um pouco assustado respondeu levantando-se. Expliquei-lhe a situação e demonstrei minha hesitação. Explicou-me que devido aos currais de peixes, que ficavam a bombordo, devíamos, obrigatoriamente rumar por onde indicou através do GPS. Os currais são instalados na baixa-mar através de estacas verticais com redes, são uma armadilha primitiva e secular usadas pelos pescadores do nordeste brasileiro. O problema é que na maré alta os currais ficam semi submersos, invisíveis a olho nu e podem representar um grande perigo à navegação: o barco expõe suas obras vivas ficando vulnerável a esses obstáculos e isso pode causar um grande transtorno aos navegantes, desde um simples enrosco na hélice do motor até algo mais grave com o casco, ocasionando, em última instância um naufrágio.

         Sentindo que o momento requeria especial atenção, Glauco, prontamente chamou Luiz Henrique, o Saci, para reforçar a vigília. Do leme, o Capitão instruía-nos. Indicou que eu ficasse a bombordo de guarida em possíveis indícios de algum curral. Saci colocou-se defronte à luz de boreste (verde) do outro lado da embarcação, para não ofuscar nossas visões.

         O céu estava completamente limpo e nunca pude ver tantas estrelas em toda vida. Com o reforço dos dois experientes marinheiros, vi minha tensão baixar e o que no início era solitária preocupação, virara uma descontraída “caça aos currais”. Cheguei a usar uma lanterna em busca de nossos possíveis obstáculos, mas fui admoestado por Glauco sobre a inutilidade dela; comprovei na prática a orientação do Capitão. Ficamos na companhia um do outro até a passagem do ponto fatídico, cada qual em seu posto, em vigília permanente até afastar hipoteticamente o perigo. Ao final tudo correu bem e Glauco e Saci colocaram-se novamente a descansar.

Permaneci no turno, pois dali pra frente, com os fantasmas afastados, faria minha parte. Ainda com adrenalina correndo nas veias, foi muito mais fácil manter-se desperto. O que vi depois foi puro espetáculo. A partir daquela hora o sol, mansamente, haveria de nascer. No mar, tudo tem outro encanto, outra dimensão. Muito cedo, devido a ausência de montanhas ou outro obstáculo visual vertical, podemos presenciar o nascer do sol. Nenhum tipo de luz artificial ofusca sua presença precoce. O nascer e pôr do sol no mar, embarcado, é realmente algo especial e pontos fortes da navegação, não há quem passe ileso. E sucederam-se vários dias assim, cada qual um deleite, nunca repetindo-se, sempre um espetáculo à parte.

Acompanhe outros relatos sobre essa travessia cheia de belas experiências a bordo do catamarã Guina.

Abraços e bons ventos!

sábado, 21 de junho de 2014

A partida de São Luís


         Sábado, 31 de maio. Dia da partida. A tarde estávamos tranquilos pois, praticamente tudo estava acertado, alguns detalhes como cunhos extras de amarração foram instalados pelo Júnior como precaução, e foi só. Enquanto Fernando preocupava-se com isso, Norberto e eu sentíamos o clima receptivo dos associados da AVEN e sentamos numa mesa para ouvir um papo pra lá de animado e muitas histórias náuticas interessantíssimas, como uma de um casal que com seu pequeno catamarã de 28 pés desceu desde São Luís até a Bahia fundeando e conhecendo cada abrigo da costa nordestina. Também ouvimos muitas histórias, algumas hilariantes, de Sérgio e esposa, casal carismático responsável pelo estaleiro Bate Vento, fábrica dos catamarãs que habitam os sonhos de muitos velejadores. Como partiríamos num sábado muitos associados encontravam-se por lá, o clima portanto era muito amistoso e empolgante, sentíamos a curiosidade da maioria com nossa partida. Conversei ainda com um senhor chamado Jeferson, proprietário de um trimarã feito artesanalmente por ele mesmo batizado de Fuga e fez questão de desvendar-me vários aspectos de seu barco, inclusive o velame com a mestra içada através de uma espicha. Confidenciou-me também que fez uma longa temporada no Caribe como capitão de um veleiro demonstrando-me sua experiência e gosto por navegação.

         Com tudo pronto esperávamos pelo Capitão Glauco Vaz que acertava detalhes relativos à sua partida e ausência por pelo menos um mês, tempo estimado do delivery até o destino do Guina. Chegou com sua esposa e apresentou-lhe tripulantes e barco.

O Capitão apresentara-se, então, psicologicamente, todos sabiam que o momento de zarpar aproximara-se e pomo-nos todos na faina de desatracação. A euforia estava no ar e todos almejavam adentrar no “marzão de Meu Deus”, nas palavras de Luiz Henrique, o Saci. A expectativa e emoção tomaram conta da tripulação ao soltar as amarras da AVEN. Dali em diante sabíamos, estávamos todos expostos ao mar, não mais na segurança de um porto.

Nos afastamos da AVEN e partimos em direção à barra da baía de São Marcos. As luzes das avenidas e prédios de toda orla dos novos bairros de São Luís ainda davam aquela impressão de acolhimento que estávamos sentindo. Aos poucos nos distanciamos da capital e aqui e acolá passávamos por navios, vários, muitos, todos fundeados esperando a hora de atracar no movimentado porto de Itaqui. Quando deixamos o último navio pelo través de boreste sentimos internamente que a viagem realmente começara. As luzes da cidade, que nos causam uma sensação de calor e relativa segurança, ficavam para traz gradativamente.

Desabituados com a rotina a bordo, banzeiro e ruído do motor, a ansiedade deu lugar ao cansaço e nos pomos no cockpit a trocar algumas palavras e descansar, alguns trouxeram até travesseiros. A apreensão deu lugar ao sono coletivo, com exceção de Glauco que ficara no leme, de vigília, por causa dos grandes bancos de areia que formam-se na entrada da barra.

Ultrapassados os bancos, um a um, fazia seu turno. Essa seria nossa rotina daqui pra frente até o próximo porto: Fortaleza. Embora pareça, não havia monotonia e divertíamos contando causos e fazendo comida quando o mar permitia, quando não, atacávamos no estoque de trubiscos que tínhamos escolhido no mercado. O comandante de um turno exonerava-se quando chegava a hora, então colocava-se à disposição do novo oferecendo algo para comer ou beber e ajudar a mantê-lo em vigília, principalmente à noite, por pura cortesia e coleguismo, não estipulamos nada, ocorreu naturalmente.

Assim sucedeu-se a primeira noite a bordo em direção ao sul, durante quase toda a madrugada perpassamos os Lençóis Maranhenses, lugar ímpar no mundo que Glauco, aumentando nossa curiosidade, fez enaltecer explicando que a água de lá tem cor azul clara e é doce. Nos sentimos quase na obrigação de voltar um dia para conhecer essa preciosidade.

Acompanhe o desenrolar dessa travessia nas próximas postagens.


Abraços, bons ventos e até.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A preparação em São Luís - Parte II


         Sexta-feira, 30 de maio. O almoço delicioso e fraternal acabara, aquela sensação gostosa e acolhedora deveria ser substituída pelo dever; precisávamos trabalhar para a conclusão de todos os acertos indispensáveis a travessia, que deveria, obrigatoriamente, acontecer sem imprevistos ou surpresas desagradáveis.

         Durante a tarde nosso último tripulante chegou vindo se São Paulo. Norberto é um gaúcho que há pouco tempo mora na capital paulista. Experiente regatista, inclusive de multicascos, fortaleceria o time endossando sua experiência ao grupo. Chegou demonstrando seu bom humor e carisma elevando ainda mais o astral da turma, e assim foi até seu desembarque. Faz, com relativa frequência, testes de barcos para a Revista Náutica.

         O dia passou rápido e com o calar da noite preocupamo-nos de provisionar o Guina de víveres, então, em dois carros fomos até o mercado. A compra foi divertida pois, todo mantimento que escolhíamos era objeto de indagação do grupo: seria adequado ao consumo embarcado? Com três carrinhos abastecemo-nos com tudo que acreditávamos ser necessário, nessa etapa, mais uma vez a experiência do Capitão Glauco fez diferença nos fazendo optar pelo que realmente seria consumido e necessário, exceto alguns exageros daqueles que nunca passaram por tal experiência. Chegamos tarde e quando nos encaminhamos ao caixa já haviam fechado o mercado, restando apenas o nosso atendimento. Para coroar o dia produtivo, resolvemos, mesmo cansados, comemorar comendo uma pizza. O final do dia terminou em uma cantina embalado a muito suco de laranja natural em jarra e pizza de boa qualidade. Estávamos felizes e realizados pois tudo correra bem e a previsão de saída, continuasse assim, seria cumprida. Nos instalamos adequadamente no barco e a primeira noite de sono a bordo do Guina foi muito confortável.

Sábado, 31 de maio. Nem bem o dia amanheceu e todos colocaram-se de pé. A ansiedade, otimismo e satisfação eram muito grandes, afinal, logo cedo combináramos de velejar inauguralmente o Guina. Cabe aqui uma explicação, até então o barco não velejara pois, há pouco não tinha mastro, as velas idem, haviam recém chegado.

         Um dia agradabilíssimo por conta da temperatura e a ausência de nuvens no céu prenunciava uma grande velejada, o que foi uma consequência estupenda. A intensidade do vento parecia sob medida variando entre 15 e 18 nós. Saímos em direção à Ilha do Medo, adentrando a baía de São Marcos. Os motores nos auxiliaram até onde foi necessário, então içamos as velas e pudemos sentir, pela primeira vez, como esse belo catamarã de 47 pés se comporta. Nunca havia velejado um catamarã, e posso lhe assegurar que a experiência foi digna de nota. Uma suavidade e estabilidade que culminam em muito conforto. Pude levar a nave por um trecho e sentir o barco. Quando estávamos no través da Ilha do Medo, Norberto orientou-me a fazer o jaibe para retornarmos, o teste estava feito, o barco respondeu adequadamente. Atrapalhei-me um pouco com a manobra e fui acudido por ele pois, o catamarã se comporta de maneira diversa de um mono casco. Os jaibes, em catamarãs são mais lentos, afinal, eles tem um maior arrasto lateral. Com um grande senso de aprovação retornávamos radiantes, estávamos todos aéreos, mais um indício de que tudo corria de forma perfeita.

         O dia correu de forma tranquila e alguns poucos ajustes foram realizados, estávamos de volta à AVEN. A maré havia baixado novamente. Sentíamos no ar o senso de missão cumprida, restava esperar a maré encher e, no seu estofo, a nossa partida. A expectativa era grande, muitos de nós nunca haviam feito uma travessia costeira como essa, tudo era uma grande incógnita. Aguardamos o fim do dia e a hora estipulada com agradável ansiedade e excitação. Nossos dias em São Luís haviam terminado infelizmente, o mar nos aguardava e nós a ele, com certa apreensão.

         Acompanhe o desenrolar dessa história nas próximas postagens.


         Abraços e bons ventos!


A luz especial de São Luís ao amanhecer...



Fernando (Previs), Luiz Henrique (Saci) e Norberto (Trovão)


Fernando contemplando sobre a primeira velejada


Norberto demonstra a Fernando a melhor posição de pilotagem


Saci ajusta e sente como a vela está comportando-se


Ilha do Medo


quarta-feira, 18 de junho de 2014

A preparação em São Luís


         Havia chegado as 2 horas da manhã em São Luís. No avião fiz amizade com um senhor bacana, dono de uma loja de suprimentos para restaurantes em Itajaí, irmão de um político famoso de Santa Catarina, conhecedor de São Luís e casado com uma maranhense. Pousei na capital sentindo-me em casa. Dividi o táxi com ele, pois o mesmo iria adiante do hotel onde eu pernoitaria.

         No check in do hotel avisei da minha chegada ao Fernando pelo telefone.  Muito cortês, insistiu que eu acordasse um pouco mais tarde, fizesse um bom desjejum e então ele passaria para apanhar-me para mostrar o barco e apresentar-me aos envolvidos. Pude descansar da viagem e, devido a ansiedade, dormi o suficiente até perceber que os primeiros raios solares entravam tímidos pelas brechas das cortinas. Do corredor pude ter uma primeira impressão de São Luís e a visão da baía de São Marcos, era o que a janela permitia com alguns prédios esparsos atrapalhando a paisagem. O mar estava ali, desde sempre, esse era o foco. Tomei um café da manhã caprichado e esperei no saguão. Um rapaz que trabalha no estaleiro apanhou-me e nos encaminhamos à Ponta D’areia, bairro onde localiza-se a AVEN (Associação de Vela e Esportes Náuticos do Maranhão). Lá pude sentir a atmosfera do lugar e logo “de cara” observei vários catamarãs devidamente atracados. Difícil encontrar, acredito, na américa do sul, lugar como São Luís nesse sentido, praticamente todos os veleiros são catamarãs.

         Pude conhecer Fernando pessoalmente, coisa que até o momento não havia ocorrido. No meio de toda a correria e bagunça nos cumprimentamos, apresentou-me a todos presentes e foi logo esmiuçando tudo a respeito do barco. Demorei um pouco até me situar. A primeira impressão foi de estupefação dado o tamanho do barco, através das fotos não se tem ideia, é um enorme catamarã de cruzeiro, com 4 espaçosas cabines, das quais, 2 suítes, feito para 8 ou mais pessoas pernoitarem com conforto.

         Sexta-feira, 30 de maio. A previsão de partida era sábado, dia 31, à noite. A bagunça a bordo não estimulava muito e fazia crer nossa saída tardaria mais alguns dias. Muitas peças importantes como moitões, catracas, stoppers, etc., indispensáveis num veleiro, jaziam em caixas de papelão e por onde houvesse um lugar passível de serem reconhecidas. Fernando, muito confiante, encaminhava cada qual à uma atividade na ânsia de por ordem ao caos. Queria cumprir o prazo e para mantê-lo punha todos os envolvidos a trabalho. Cada qual ajudou no que pôde e, aos poucos, a coisa foi andando a contento. O clima era de muito otimismo e o pessoal sentia que era o momento de dar um passo adiante. A sinergia foi tomando forma e o que parecia o caos, gradativamente dava indícios de uma ordem. Todos trabalhando num objetivo só: preparar o Guina para a descida da costa em direção à Paraty. Os personagens dessa trama vão apresentando-se e mostrando-se muito entusiasmados, ninguém parecia trabalhar, estávamos envolvidos numa atividade lúdica. Muitas brincadeiras para que enturmássemos, nessa fase, três pessoas chave contribuiriam para os toques finais indispensáveis à zarpada: Nelson; o eletricista, Cebola; o faz tudo, e Júnior; o instalador. Nelson, um cara muito concentrado, já trabalhou embarcado, profissional gabaritado da elétrica/eletrônica náutica passou um dia inteiro instalando tudo quanto fosse possível e deixou o Fernando muito feliz e mais relaxado quando da conclusão de seu serviço. O Cebola trabalhava no estaleiro, até limpou o fundo do barco para aprontá-lo para o grande dia. Júnior, dono de um senso de humor ímpar, é daqueles caras que quando sentam no roda de bar, dá um espetáculo à parte na contação de seus causos ocasionando dores abdominais em seus ouvintes. Habilidoso na instalação de diversos itens, foi responsável pelas peças inerentes ao funcionamento e regulagens do aparelho do velame. O clima era tão bom que Fernando reiterava convites a eles para nos acompanhar até Fortaleza, primeira parada.

         Na hora do almoço pude conhecer as singelas instalações do refeitório da AVEN e Dona Roxa, como carinhosamente é apelidada, fez um saboroso almoço, e assim, pude experimentar um pouco do tempero e paladar ludovicense. No outro dia ela serviria camarões enormes envoltos em delicioso molho de sua autoria. Solícita, sempre nos servia de alguma coisa feita com esmero. Confidenciou-me, orgulhosa, que era a mãe de Fernando em São Luís; estávamos em casa, sentimo-nos como filhos.

         O trabalho continua e todo esse acolhimento teria um fim, infelizmente, mas, como um ciclo que termina, encaminhávamos para a conclusão de todos os ajustes, pois Fernando estipulava: a primeira velejada seria amanhã de manhã, com a maré apropriada!

         Acompanhe o desenrolar dessa bonita história na próxima postagem.


         Grande abraço e bons ventos!


Capitão Glauco determinava: “Enquanto tudo não estiver pronto, não zarparemos.”


MARINA AVEN, Associação de Vela e Esportes Náuticos do Maranhão


AQUI se aprende a navegar


Glauco prepara a cadeirinha para Nelson


Nelson instala o piloto de vento


A vinte metros do convés


Júnior, o contador de causos


Fernando, Nelson, Dona Roxa, Cebola e eu


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Um banho de cultura


         Com calma, estou organizando mentalmente a grande experiência que foi conhecer um pouco do nordeste brasileiro começando por São Luís, a capital Maranhense.  Estive presencialmente em três capitais, por muito pouco tempo mas, acredito, foi o suficiente para poder sentir como são as coisas por lá.

         O ponto forte, com certeza, são as pessoas que lhe acolhem natural e calorosamente.

         São Luís foi uma experiência singular, principalmente porque pude conhecer várias pessoas que estavam envolvidas com o Guina, o belo catamarã que levaríamos. Não pude conhecer a capital com calma, pois não estava a turismo, mas pude ir várias vezes ao centro da cidade atrás de peças para o barco e tive uma boa noção. É um lugar de incrível contraste. A parte antiga da cidade por vezes choca aparentando certa decadência, o que, é o oposto diametral dos novos e ricos bairros que há pouco tempo demonstram a ostentação de uma nova classe social em ascensão. A parte antiga, por vezes, é suja e observamos a presença de muitas pessoas à margem da sociedade. Os novos bairros ostentam luxuosos condomínios oferecidos à essa nova realidade criada para poucos. São dois mundos que se conectam através de uma delicada estrutura. Isso não é exclusividade de São Luís, nesse aspecto, é inegável: estamos no Brasil. Coisa muito comum em nosso país é um certo cinismo dos ricos em relação aos menos afortunados. É preciso registrar: não senti insegurança em nenhum momento e em nenhum lugar da capital maranhense, em todos os lugares havia uma atmosfera amistosa e receptiva; senti-me em casa. Sem sombra de dúvida é um lugar que merece uma parada, até se você vem de barco, pois a cidade guarda muita história e cultura agregadas, o povo é muito receptivo e acolhedor, isso, por si só, já é um grandíssimo atrativo. Se você vem de barco, com certeza será bem recebido pelo pessoal da AVEN, pois é uma confraria de colegas da Vela. Pudemos dar muitas risadas com as histórias do pessoal dos catamarãs.

         Uma das coisas que mais impressiona em São Luís, mesmo para quem não tem muita relação com o mar, é a incrível variação de marés, que pode ter a amplitude de até 8 metros. Esse visual, hora seco, hora molhado acaba sendo um protagonista visual da parte central e adjacências. Adicionado a isso temos as belas costeiras, barcos típicos e tradicionais que fazem parte desse cenário poético e único pintado com as cores que os navegantes desses barcos determinam de acordo com as velas que utilizam. Essa poesia visual é incrivelmente hipnotizante. Os barcos estão ali diante de nós, são uma realidade, porém, a impressão é de que estamos vivendo um tempo recuado, e essa impressão só é dissipada quando observamos elementos do mundo contemporâneo contracenando com eles. Foi impactante ver essas embarcações navegando pois no sul do país não existem mais essas manifestações típicas à vela. Os últimos barcos tradicionais que utilizavam as velas em Santa Catarina foram as baleeiras e com a proibição da caça, aos poucos, eles perderam sua utilidade e, infelizmente, viraram peças de museu. Fui informado pelos orgulhosos maranhenses que as costeiras são utilizadas para vários fins; carga, passageiros e pesca. Um cenário como esse, realidade em São Luís, hoje é apenas imaginado através de ilustrações da baía Babitonga de cem anos atrás. Com um novo olhar sobre as coisas, não estamos adiantados, pois utilizar motores a combustão de combustível fóssil não demonstra evolução. Os ventos são uma energia perpétua e infinitamente renovável. Sorte daqueles que mantiveram determinadas tradições, que não justificam modismos e que através dos séculos moldaram essas embarcações à perfeição.

         Já dediquei uma postagem ao Museu Nacional do Mar, que, de alguma forma, acendeu a centelha de nossa família para as coisas do mar. Ver aqueles barcos no museu, objetos inertes, são uma coisa. Presenciar essas embarcações no mar sendo manejadas por experientes marinheiros, herdeiros de uma tradição cultural, é com certeza uma experiência magnífica.

         Vou deixá-lo com as belas imagens que tive o privilégio de registrar quando da passagem por São Luís, espero que goste.


         Grande abraço e bons ventos!






quinta-feira, 12 de junho de 2014

E eu joguei âncora...


Velejada inaugural do veleiro Guina na baía de São Marcos em São Luís do Maranhão

         O mar mexido e a saudade de casa, muito provavelmente, foram as causas do meu abandono na segunda perna da travessia do Guina. Desembarquei em Recife, no Cabanga Iate Clube. Fernando questionou-me da decisão e, muito amistosamente, insistiu para que ficasse. Enquanto esperava meu voo de volta no aeroporto Gilberto Freire uma dúvida corroía-me: teria feito a melhor escolha?

Nos últimos dois dias, antes de chegar a Recife, o mar não colaborava e nenhum alimento parava em meu estômago, por conta disso, estava me sentindo fraco e também irritado, fora que também, nessa condição, dormir é praticamente impossível, apenas descansamos o corpo, o sono é interrompido pelas ondas que fazem questão de nos lembrar que não estamos no conforto de nossas casas, estamos no mar! Isso tudo é compreensível, estava fazendo parte de um delivery, não estávamos a passeio, o objetivo é levar o barco ao porto de destino o mais rápido possível. A passeio, as pernas podem ser mais curtas e, portanto, bem menos cansativas. Houve ainda outro agravante, desde que saímos de São Luís, os ventos restantes do que se chamam alíseos, vem de cara, e não é possível velejar, só motorar; 3 ou 4 dias motorando sem parar, contra o vento, não é nada romântico ou poético, o barco bate bastante pois seu comportamento sendo propulsionado só com os motores (são dois devido ao fato de ser um catamarã) é bem diferente da suavidade que as velas propiciam quando içadas em mar relativamente calmo, intensidade e direção de vento apropriados.

Tudo isso não pode ser usado como desculpa, fraquejei. Podia ter continuado, mas também minha falta de experiência pesou. Hoje, lendo sobre uma entrevista do Jornal Almanáutica entendi uma coisa que só quem viveu uma experiência como essa pode entender de forma profunda: fazer travessias em barcos à vela exige resistência de seus tripulantes. Agora compreendo isso. Essa resistência, muitas vezes, não é física, é mental! Devemos cuidar de não entediarmo-nos, pois um veleiro não ultrapassa os 10 nós, o que, equivale, em terra a 18 quilómetros por hora, aproximadamente. Os dias e noites passam como a vida passa quando estamos em contato íntimo com a natureza; é um outro ritmo, mais lento. Esse tempo que passamos no mar nunca é enfadonho, pois sempre há novidades e nunca um dia é igual ao outro, ainda mais que a condição climática muda o tempo todo e sempre estamos passando por um lugar diferente, especialmente em nosso caso, de uma navegada costeira, em que se pode muitas vezes, apreciar a costa.

Quero deixar registrado nosso profundo agradecimento ao Fernando Previdi, sua esposa Jamile, o Capitão Glauco Vaz, o grande marinheiro Luiz Henrique (Saci) e ao colega Norberto (Trovão). Se, por um lado, minha inexperiência e resistência não colaboraram, por outro, a convivência a bordo, a assertividade, camaradagem, amizade e respeito mútuo transformaram uma coisa muitas vezes penosa, em algo leve e divertido. O clima era dos melhores, cordialidade pura, uma equipe muito coesa. Incrível como somos capazes de trabalharmos de forma harmoniosa quando estamos no mar, não é preciso muito esforço no sentido da liderança, todos entendem seu papel e cada qual esforça-se em desempenhá-lo. É por isso também, que acabamos entendendo um pouco mais, dessa coisa misteriosa que é a comunidade náutica. Pessoas que quando interligadas pelo mar, criam laços profundos, pois a consciência mútua de que somos pequeninos e frágeis diante da força incomensurável do mar derruba qualquer resquício de vaidade e ego. A camaradagem passa a dominar a pauta principal. O senso de segurança mútuo fala mais alto que tudo; um cuida do outro. Passei a considerar meus colegas tripulantes como a entes da família, mesmo só tendo os conhecido alguns dias antes. Uma experiência tremendamente transformadora que recomendo a qualquer um aspirante de crescimento pessoal e espiritual.

Depois dessa elucubração, postarei, aos poucos, os dias instigantes que vivi desde São Luís até Recife a bordo do Guina e sua especial tripulação.

Agradeço àquelas pessoas que nos acompanharam, e ainda estão acompanhando, pois a viagem ainda não terminou, e deixo o pensamento do Hélio Viana: “Depois que a cobra d’água lhe morde, meu amigo, não tem mais volta!”


Grande abraço da nossa família à sua, bons ventos e mares desde nosso recanto ecológico chamado baía Babitonga!


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Surpresas que a vida guarda


         Minha chegada à São Luís foi tranquila, porém, demorada e cansativa por conta de duas conexões de voo, uma em São Paulo, outra em Belo Horizonte. Embarquei em Joinville as 15 horas da quarta e cheguei as 2 horas da manhã da quinta-feira na capital maranhense, dia 29 de maio.

         No que restou da noite, dormi no hotel e aguardaria Fernando depois do café da manhã para conhecer-lhe e o seu barco. Conhecíamos um ao outro por mensagens em rede social, fóruns náuticos e por nossos blogs, ainda não havíamos nos encontrado presencialmente. Nossa família sempre acompanhou a história da família Previdi e achávamos muito interessante.

         Uma semana atrás eu mandei uma mensagem ao Fernando explicitando que cogitava a venda de nosso barquinho. Ele respondeu educadamente e ficou de avisar caso alguém estivesse interessado. No outro dia me respondeu à mesma mensagem perguntando “na lata” se eu não toparia trazer o Guina de São Luís até o litoral de São Paulo. Na hora achei educado e lhe respondi que pensaria pois achava a ideia um pouco distante da realidade. Havíamos combinado com o Ricardo Yoshima e família de fazer a perna Itajaí/São Francisco do Sul abordo do Amar sem Fim quando da passagem deles pela Babitonga, mas a saída deles da Argentina atrasou por questões burocráticas e ficamos esperando, então surgiu a proposta do Fernando.

         Em nossas conversas em família a Luciane sugeriu que vendêssemos o Hoje! e esperássemos, quanto tempo fosse necessário, até encontrar um barco que atendesse nossos anseios, pois cogitamos, a exemplo dessas famílias, uma embarcação para ser nossa morada flutuante. Eu, com certo apego ao barquinho, justificava, adiando esse momento tanto quanto necessário. Quando decidimos que era realmente essa vida a que almejávamos, então considerei a ideia da venda. Tinha em mente que em 6 meses venderia nosso barco. Antes de anuncia-lo publicamente mandei mensagens à pessoas que considerava, podiam conhecer alguém interessado, mas, confesso, não esperava mais do que mensagens educadas de retorno. Qual não foi minha surpresa, apenas dois dias depois de mandar a mensagem ao Juca ele retornou com uma resposta de um amigo, aluno de um de seus cursos. O barco está vendido e a compra foi feita basicamente pela internet, pois também não conheço o Júlio pessoalmente e ele quis logo ficar com nosso barquinho mesmo sem vê-lo previamente. Nós vamos passar o Hoje! de mãos com alegria e felicidade, pois ele cumpriu sua missão e foi além, ajudou na certeza de embarcar nesse mundo, que, escrevendo agora abordo do Guina no través de Acaraú/CE, não tem segredo nenhum.

         Como uma trama as histórias vão interligando-se e nossa vida vai tomando o rumo que adotamos. Fazemos contatos com pessoas que também buscam pelos mesmos anseios e misteriosamente as peças do quebra-cabeça vão encaixando-se com exatidão e perfeição incríveis, algo sequer sonhado ou imaginado.

         Grande abraço de toda a tripulação do Guina, bons ventos desde o litoral do Ceará!