Dia 19 de maio, há dois dias, recebi um comentário do
Luciano Guerra, Comandante do veleiro Araiti, baseado na Ilha Grande. Era a
triste notícia do falecimento do grande velejador argentino Victor Otaño que em
seu pequeno barco subiu a costa brasileira desde Buenos Aires. Morou por quase
uma década na Ilha Grande e, com saudades da família, resolvera retornar. Na
descida da costa, em seu caminho de volta, eu e o Cesar tivemos o prazer de conhecê-lo,
quando da sua passagem por aqui. Quem ainda não conhece esse relato ou quer relembrá-lo clique aqui.
Os últimos dias na Ilha Grande, antes de zarpar definitivamente para o sul
Quando
Cesar mostrou-lhe o barco que está construindo, Victor percebeu o grande
potencial construtivo e como Cesar conhecia sobre motores e barcos. Então lhe
pediu auxílio com seu motor de popa, pois o mesmo apresentava funcionamento
irregular e não oferecia segurança. Cesar rapidamente, como de praxe, descobriu
o problema alegando ser apenas sujeira no carburador, o desmontando inteiro,
limpando, reinstalando e testando. Victor ficara muito contente, pois pensava
ser algo mais complicado e penoso de se resolver. Permaneceu poucos dias
conosco e antes de ir embora Cesar orientara Victor quanto ao melhor lugar para
seu próximo fundeio, a Armação de Itapocorói, município de Penha,
algumas milhas ao sul de São Francisco do Sul. A Luciane e eu então resolvemos
presenteá-lo com um sacolão de frutas, alimento mais adequado quando nos
fazemos ao mar, pois dependendo da condição climática não é possível cozinhar
nem tão pouco comer algo mais elaborado, o corpo humano simplesmente rejeita. Antes
de oferecer as frutas ainda perguntei se ele tinha alguma restrição médica como
diabetes, pois aí frutas não seriam bem vindas, e ele simplesmente me respondeu
negativamente, afirmando não utilizar nenhum medicamento controlado. Isso
comprova que sua saúde era boa. Consta que quando chegou à Argentina morreu
dormindo, junto aos seus.
Reproduzo integralmente o e-mail que o Comandante Luciano
Guerra me enviou como resposta ao meu pedido de algum “causo” sobre a vida
dessa gran persona:
Olá Rico,
Antes de contar algumas histórias sobre o Victor
segue as últimas fotos
do Marangatu antes de partir para o Sul. Foram
tiradas quando passava
velejando por ele com o velejador argentino Luciano
Menéndez.
Como eu sempre fazia.
Eu costumo acordar cedo, embarcar no meu veleiro
Araiti, fazer a faina
e depois velejar. Antes de velejar eu sempre passo
ao largo da Praia
da Crena numa espécie de bênção e bom dia aos
velejadores amigos de
fora que sempre estão ali atracados. Enfim.
Sempre passava, dava bom dia ao Victor e ao outro
velejador que ainda mora
na Ilha Grande, meu amigo Gerônimo. As vezes eu
parava para conversar.
As vezes (quase sempre) era apenas um bom dia, mas
era um ritual. Eu
passava pelo barco do Gerônimo dava um bom dia e
depois eu passava
pelo Victor e recebia dele o meu bom dia. Só depois
eu ia velejar.
"Causo"
Em diversas vezes ficava conversando com ele sobre
subir e descer a costa.
Foi então que em uma dessas conversas ele me falou
que o único medo que
ele tinha no mar era de navios cargueiros. Me falou
que em Itajaí dormiu ao
leme e acordou com o barulho do hélice de um
cargueiro bem no seu través.
Ele me falava que qualquer barco que não faz água
pode cruzar o mundo,
basta que o velejador seja um bom meteorologista e
não ligue para calendário
gregoriano e relógio de pulso... risadas..... :-D
Sempre trocávamos ideia sobre os melhores dias para
ir até Paraty (vento LE).
Mas eu gostava mesmo era da calma dele.
Na Ilha Grande não deu muito tempo de passar
necessidade porque lá nós nos
ajudamos muito então ele logo arrumou trabalho que
rendesse a ele recursos
para se alimentar.
Ele falou que a Baía da Ilha Grande era como o céu
na terra, mas que gostaria
de voltar para a Argentina e viver seus últimos
dias por lá dignamente.
Na Ilha Grande, o largo da Praia da Crena é como o
nosso quarto, onde após
um dia de velejada jogamos o ferro e voltamos para
dormir. Para o Victor era
a casa dele.
Era muito bom conversar com esses dois argentinos o
Victor e o Gerônimo.
Um sempre sorrindo (O Gerônimo) e o outro sempre
silencioso e sereno (Victor).
"Causo"
Certa vez estávamos preocupados porque ele falou
que iria até Angra e voltaria
rápido..............
Um mês depois, velejando por Paraty encontrei o
bravo lá:
Eu -- Hola Victor!!! Como estás?
Victor -- Mui bien...Estoy mui bien...
Eu -- Quanto tempo está em Paraty?
Victor -- Creo que cheguei ontem vindo da Ilha
Grande.
Eu -- Victor! Você já está fora da Ilha tem um mês.
Victor -- "JURA????"
Eu e ele -- muitas risadas....
Abraços
Luciano Guerra
Veleiro Araiti
Ilha Grande
Bons ventos, onde quer que esteja Victor.